Nasci perfeita e bela nos meus cachos ruivos e olhos verdes clarinhos. Só depois é que veio a prancha e melhorou tudo ainda mais. Prefiro dizer que não tenho exatamente um nome. Melhor assim. Talvez irresoluta, um dia, e muito segura de mim, no outro, um pouquinho fada, meio louca, meio trivial, totalmente sarcástica. O meu analista disse a mim que sou portadora de uma inteligência pontiaguda e elegante, como toda mulher que, competentemente, aprimora o andar sedutor equilibrando-se sobre saltos altos e ostentando beleza espalhafatosa através de um cabelo em rabo de cavalo esvoaçante, mas muito comportado. Sou adorável, sim.
Em diálogos madrugada adentro, tenho feito confidências gerais a um amigo de outrora que pensei talvez houvesse perdido, mas o reencontrei posando de bom rapaz numa dessas esquinas da vida virtual, tão claro e tão confuso ao mesmo tempo, o bacana, da mesma forma que eu.
Ele é quase o meu analista, mas costuma rir das minhas loucuras descritas no vago da web a torto e a direito. (Analistas dificilmente riem.) Quase me encantei no dia em que ele a mim se apresentou como um moço agora de certa idade, em pele morena, cabelos castanhos ondulados e olhos da cor de um lago infestado de piranhas refletindo ao sol. Foi mágico. Mas não me apaixonei. Isso, nunca. (Não quero cuspir para cima que é para o catarro não me cair na cara. Cala esta boca!)
Ainda há pouco, pois, o meu relato o fez corar, apesar das distâncias físicas entre mim e ele, que moramos em espaços vazios, longínquos e distintos.
É que ontem, depois de um ano, ao descobrir as fuças da moçoila que teve a brilhante ideia de me abrir os olhos para eu ter coragem de terminar um relacionamento fracassado, ri a quase me engasgar com a minha própria bílis venenosa. Ela está de caso com o meu falecido, como dizem as moderninhas.
Eu queria demais abraçá-la, dar-lhe um caloroso beijo e dizer muito, muito obrigada. A ideia de ficar com ele foi simplesmente brilhante. Hoje, eu estou linda, ruiva, olhos claros cativantes e mais ou menos magra. E você, claro,continuará sendo a mucura boazuda e sinistra que ia comprar pão com o intuito de debochar da minha outrora cara gorda. Ah, danadinha!
Dia desses, então, estava bem meditativa e arreganhei a alma da Marguerite Yourcenar que existe cravada no meio seio esquerdo. A falta da leitura de bons livros empobrece os humanos. Os ditos agentes do sexo forte precisam considerar, dentre outras coisas, que ser um homem feminista é bem diferente de ser um homem efeminado. Há machos amáveis e compreensivos, sim. Pena que estes carinhosos estejam em falta, mas ainda vivem. É disparate telúrico pensar que a humanidade está perdida. É burrice que está gravada na índole de muitos. É pior que ferida braba. Cara nasce burro, morre burro e não faz uma única pergunta ao Senhor Aurélio e muito menos ao Doutor Google. Que porra é essa?
Afirmo que as mães destes tempos bicudos não estão educando os seus filhos coerentemente. Parece-me que os caras não são filhos de mulheres, mas de chocadeiras elétricas. As ideias e atitudes dos pais toscos preponderam na criação dos meninos. Uma educação doméstica de qualidade – com o uso da sensatez feminina – tiraria de foco esses trogloditas que exorbitam em desculpas esfarrapadas nas delegacias de mulheres por aí afora. Pior é que os cavalheiros deram no pé, ou desistiram de ser homens. É do caráter!
Quando digo que sou feminista, as pessoas me enxergam aos berros gritando palavras de ordem do tipo morte aos homens, ou mulheres ao poder. Não é nada disso. Na realidade, eu acredito que mulheres e homens devem ter os mesmos direitos e as mesmas liberdades. Vejo ainda que muitos relacionamentos de moças afáveis com sujeitos toscos produziram milhões de fêmeas dilaceradas por traumas muitas vezes irreversíveis, uma vez que os machos carinhosos e suportáveis estão desaparecendo da face do planeta. Da mesma forma que os dinossauros foram extintos, eles estão sucumbindo em favor de clichês como o tal homem alfa e esses maricas denominadosmetrossexuais. É ruim, hein!
Macho de verdade é aquele cavalheiro que trata bem a parceira, que a mimoseia, que lhe abre a porta do carro, que manda flores, que está mais preocupado em satisfazer-lhe a libido azeitada, e não apenas em trepar feito um cachorro no cio.
Amiga de certo nível contou a mim, dia desses, que, logicamente, não é hipócrita. Ela chora um olho e remela o outro, sim, por um cinquentão educadíssimo que, acima de tudo, é lindo e é rico e, o melhor, declara-se em relacionamento aberto. Disse-me que está realmente afim, que vai atolar o pé na jaca, chutar o pau da barraca, entornar o leite do balde, dentre outros exercícios muito mais ariscos, digamos assim.
Esse típico gentleman está em escassez no mercado. É produto raríssimo. Pior é que virou moda mulher bancar macho feio e vagabundo e ainda implorar para não ser chifrada. A desvalorização feminina está sendo cotada até na bolsa de valores de New York. Durma-se com um barulho desses! É mole ou quer mais?
Por isso eu compro a briga de uma vizinha pudica que se melindra ao ponto de ir às lágrimas porque um sujeitinho critica alguns leves riscos nas suas coxas grossas e lindas. A ela eu disse que tenho marquinhas iguais e que o machinho que não gosta de estrias, para vê-las de perto, vai ter que rebolar muito na Sapucaí, ou vai ter que nascer de novo. Ora essa!
Ah, os homens são realmente adoráveis… Certos deles.
Ontem mesmo, eu dei corda em muita gente quando falei que queria ir para Marte, porque lá não há barulho, é só paz, não existe cachaça, nem maconha, e muito menos homens chatos para encherem o saco. E eu estou certa até o tutano. Morro dura e não perco a pose.
É sintomático o caso do meu vizinho que chega em casa paulado, ou esfumaçado, coloca um sertanejo choroso e cantado fino na vitrola, e não apenas enche o saco da companheira, mas da rua todinha. Decidi que ele merecia ser dedurado para a polícia, porque o relógio já avançara para muito além da meia noite. Foi o que aconteceu, na boa, e agora ele intrigou e ela está de cara torcida. Danem-se os dois!
Boquiaberto, o meu analista metido a bacana perguntou se eu não estava desempenhando nenhum papel, pois, na maioria dos casos, a atriz aqui sempre se investe de uma personagem marcante para alguns. Não. Não chorei. Não me chamo Maria do Bairro, numa alusão à novela lagrimosa.
Sou mesmo assim. Ao nascer, fui formatada nesta configuração. Sarcástica, sim; apaixonada, nunca. Ou talvez, quem sabe, um dia, aquele zé ruela ideal retorne ao nosso borralho e chamego antigos. Isso já seria bom demais da conta. Meu Deus!
Aposto que sim.
CLÁUDIO MOTTA-PORFIRO, Escritor. Autor do romance O INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE, disponível nas livrarias Nobel, Paim e Dom Oscar Romero, ou pelo e-mailclaudioxapuri@hotmail.com –