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Senador Jorge Viana comemora aprovação da PEC que torna estupro crime sem prescrição

 Em 1971, a jovem Inês Etienne, que lutava contra o regime militar, foi levada até a Casa da Morte: uma estrutura montada em Petrópolis para torturar opositores à ditadura. Entre as torturas enfrentadas por Inês uma delas marcou o resto de sua vida: o estupro.

O Ministério Público Federal apresentou denúncia contra o acusado de estuprar Inês Etienne, mas um juiz de Petrópolis não acatou a denúncia, destacando, entre outros argumentos, a prescrição do crime, ou seja, Inês não teria denunciado a tempo o estuprador.

O crime sofrido por Inês ainda é extremamente comum no Brasil.

De acordo com dados do 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em novembro de 2016, no Acre, foram registrados 524 estupros em 2015, uma média de 65,2 casos para cada grupo de 100 mil habitantes, sendo a taxa mais alta no país.

Em todo o Brasil foram notificados 45.460 estupros ao ano e outras 6.988 tentativas, nesse mesmo ano. O número revela que foram 22,2 casos para cada 100 mil habitantes. Segundo a análise, considerando somente os boletins de ocorrência registrados, ocorreu um estupro a cada 11 minutos e 33 segundo no Brasil (uma média de cinco pessoas por hora).

Porém, de acordo com dados do IPEA, mais de 500 mil estupros ocorrem por ano no país, dados em projeção, já que incluem muitos que nem chegam a ser denunciados. Ainda segundo o IPEA, a estimativa é que apenas 10% dos casos de estupro são notificados.

Crime hediondo

O crime de estupro é hediondo e inafiançável, ou seja, de extrema gravidade. Mas, apesar disso, é um crime prescritível, ou seja, pode perder o direito de ação na justiça se passar muito tempo desde a prática do crime.

No sentido de evitar a impunidade, o senador Jorge Viana (PT) apresentou uma Proposta de Emenda a Constituição (PEC) que torna o estupro um crime imprescritível. A matéria foi apreciada na última terça-feira, 9, no plenário da Casa Legislativa e aprovada em primeiro turno. A PEC ainda precisará ser votada em segundo turno antes de ir para a Câmara dos Deputados.

A matéria

A PEC 64/2016 faz o estupro figurar, ao lado do racismo, como crime “inafiançável e imprescritível”. Isso significa que o crime poderá ser punido mesmo depois de muitos anos, ou seja, não haverá prazo legal para que a vítima possa fazer a denúncia e o agressor possa ser processado e condenado, se for o caso.

A PEC vale para os crimes de estupro (art. 213) e estupro de vulnerável (art. 217-A) do Código Penal. Para os dois casos, a pena pode chegar a 30 anos, se o crime resultar em morte da vítima.

Atualmente, esse prazo é de 20 anos, após o qual, mesmo que a vítima denuncie, o autor do crime não pode mais responder por ele. A lei atual estabelece que o estupro é crime inafiançável e hediondo, o que agrava a pena e reduz o acesso a benefícios relacionados à execução penal.

Para o autor da matéria, é importante a imprescritibilidade, pois, muitas vezes o crime é tão brutal que a vítima demora a ter coragem para denunciar.

“Tem mulheres que sofrem o estupro quando ainda são muito jovens e só vão ter coragem para denunciar quarenta anos depois, quando viram avós. Então, se a gente mandar um recado para os criminosos, dizendo: ‘olha, se cometer um crime de estupro, não importa quanto tempo passe, você vai pagar por ele’, eu acho que a gente ajuda a melhorar a nossa sociedade”, explica o senador.

Outro ponto citado por Jorge Viana é o receio das vítimas de sofrer preconceito ou superexposição. “Isso porque é comum que a vítima seja covardemente responsabilizada pelo estupro sofrido, seja pelo fato de ter bebido, pelo horário em que estava na rua, pela roupa que vestia ou pela maneira como dançava”, diz.

Viana pontua que essa medida permitirá que a vítima tenha tempo para refletir e criar coragem para fazer a denúncia. “É preciso observar, todavia, que a coragem para denunciar um estuprador, se é que um dia apareça, pode demorar anos. Diante desse quadro, propomos a imprescritibilidade do crime de estupro. Essa medida, por um lado, permitirá que a vítima reflita, se fortaleça e denuncie, por outro lado, contribuirá para que o estuprador não fique impune”.

Relatora

Apesar das punições já mais duras, a relatora da matéria, senadora Simone Tebet (PMDB-MS), disse que o estupro não se iguala a outros crimes hediondos que têm prazo de prescrição. Segundo ela, o que diferencia esse tipo de violência de um crime como homicídio, por exemplo, é o fato de que a denúncia leva muito mais tempo para ser feita no caso do estupro.

“O que diferencia e o que permite a imprescritibilidade do crime de estupro é o lapso temporal que existe entre o ato cometido, entre o crime, e o tempo que se leva para que a mulher tenha a coragem de denunciar. Imagine quando ela tem que denunciar o companheiro, o pai, o padrasto, o tio. Imagine quando acontece com crianças de 2, de 3, de 5, de 8 anos de idade”, afirmou.

Além dos casos de crianças e de situações em que o abuso ocorre dentro do ambiente familiar, há ainda as situações em que as vítimas têm vergonha de denunciar porque sofrem preconceito a respeito do local em que estavam ou da roupa que estavam usando, na opinião da senadora.

Esse ponto também foi levantado por Jorge Viana (PT-AC). “Quando uma mulher vai denunciar que sofreu um estupro ela vira vítima de novo, porque perguntam que roupa ela estava usando, se ela tinha bebido, então até isso nós vamos ter que mudar”, afirmou.

Debates e apoios

Ao longo do trâmite da matéria o senador petista debateu junto à sociedade sobre a importância da aprovação da PEC. Um dia antes da proposta ser votada em primeiro turno, o senador petista, em parceria com a Rede Acreana de Mulheres e Homens, realizou um debate no Acre.

Na ocasião, a secretária adjunta da Mulher, Lidiane Cabral, afirmou que a PEC 64 dá esperanças às mulheres brasileiras: “Para nós mulheres é uma conquista, vamos fazer a defesa desta lei para que ela seja sancionada, pois existe uma cultura de estupro que nos violenta diariamente. Não podemos esquecer que o agressor é agressor independente do tempo que o crime ocorreu”.

A coordenadora da Rede Acreana de Mulheres e Homens (Ramh), Joci Aguiar, pontuou sobre a importância do debate. “Isso é um avanço para as mulheres porque a cada dia aumenta mais o número de vitimas no nosso Estado e em todo o Brasil. Isso é uma vergonha, e é ainda maior, quando a sociedade diz que a culpa é sempre da vítima”.

Para a coordenadora do Centro de Defesa dos Direitos Humanos e Educação Popular (CDDHEP), Raimunda Bezerra, falou sobre a impunidade dos agressores. “A medida é de certa forma uma ação mais repressiva para esse tipo de criminalidade, pois quando a mulher tiver a possibilidade de se defender ela saberá que a justiça realmente será feita”.

Ainda em votação

A PEC 64/2016 deverá ser apreciada ainda em segundo turno no Senado Federal. Após a votação será encaminhada a Câmara de Deputados onde também será apreciada em turnos e, posteriormente, a sanção presidencial.

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