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A porta da salvação abre de dentro para fora

Ninguém escapa vivo deste mundo, mas as 79 mortes no incêndio numa torre em Londres e 64 mortes num incêndio florestal em Portugal este mês servem como testemunhos tristes da perda prematura e evitável de vidas humanas. A parte evitável se relaciona com erros cometidos para reduzir os riscos destes desastres. Modificando uma frase do filósofo George Santayana , podemos colocar como tema deste artigo: “Quem não aprende das desgraças de outros, corre risco de repeti-las.”

Em um artigo intitulado “Por quê a Torre Grenfell queimou: reguladores colocaram custos acima da segurança” publicado pelo New York Times, no dia 24jun17 , ficou evidente que se os fiscais e os políticos em Londres tivessem tido a segurança como prioridade, o incêndio não teria acontecido ou teria ocorrido danos muito menores. Neste caso, além de faltar alarmes e sistema de chuveiros automáticos, os construtores foram autorizados a colocar alumínio com polietileno inflamável nas paredes externas da torre. Quando o fogo iniciou, ele alastrou, subindo as paredes exteriores, invadindo os apartamentos.

Para piorar a situação, os poucos avisos ligados ao potencial de incêndios foram pôsteres sugerindo para os moradores ficarem nos seus apartamentos e não usarem as rotas de fuga. Quem obedeceu o aviso morreu.

O incêndio florestal em Portugal começou no dia 17 de junho e foi controlado apenas em 21 de junho. Mais de 60 pessoas morreram, fazendo esta a pior tragédia na história recente de incêndios florestais em Portugal . Quarenta sete pessoas escolheram a rota errada de fuga numa estrada e morreram nos seus carros, aparentemente por falta de um plano B de comunicação, depois de um colapso das torres de celular. Também cortes sucessivos no orçamento para o combate a incêndios florestais deixou o país despreparado para um incêndio tão intenso.

Será que algo assim pode acontecer aqui? No caso da torre em Londres, não, no sentido estrito porque não temos edifícios de 24 andares cobertos de alumínio e polietilieno. Em termos de incêndios florestais, tivemos no Acre grandes áreas florestais queimadas em 2005, 2010 e 2016, porém, sem árvores tão inflamáveis como pinus e eucaliptus, que foram plantadas em Portugal. Mesmo assim, temos problemas em termos de preparação para gestão de risco.

Por exemplo, nos dois casos acima, a rota de fuga não usada na torre ou a rota errada de fuga em Portugal levou à morte dezenas de pessoas. Na boate Kiss em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, rotas de fuga inadequadas foram parcialmente responsáveis pela morte de 242 pessoas em 2013 . E rotas de fuga em Rio Branco, por exemplo, são adequadas?

Para iniciar a conversa, podemos analisar edifícios em Rio Branco. É difícil responder em detalhes, mas podemos usar como indicador a direção de abertura das portas de saída dos prédios. Desde 1978, na norma regulamentadora número 23 do Ministério de Trabalho e Emprego, as portas de empresas não devem abrir para dentro e portas de batente devem abrir no sentido de saída . A lei municipal de Rio Branco tem linguagem semelhante.

A razão para esta norma é simples: se tiver um incêndio, uma explosão ou um momento de pânico dentro de um edifício com pessoas querendo sair rapidamente, uma porta que abre para dentro pode ficar efetivamente trancada com a pressão das pessoas, às vezes resultando em mortes. Esta norma, como muitas outras, é escrita com o sangue de vítimas de desastres anteriores.

Uma porta de saída que abre para fora não é garantia de que a rota de fuga seja bem planejada, mas serve como uma resposta parcial. Auditórios, salas de aula, salas de reunião e edifícios onde frequenta o público devem seguir esta norma. Um indicador é se o aviso na porta do lado de fora diz ‘empurre’, a porta abre para dentro, se dizer ‘puxe’, ela abre para fora.

No caso de Rio Branco, a minha amostragem vem de uma rápida visita a algumas instituições na segunda-feira, 26jun17: Sala ambiente de Agronomia da Ufac, espaço para 50+ alunos – porta abre para dentro, Federação dos Indústrias – porta abre para dentro, Palácio do Comércio – porta abre lateralmente, escritório do MP/AC no Galeria Cunha – porta abre para fora, Caixa Federal e Banco do Brasil, ambos na Praça Plácido de Castro – porta abre para dentro, Biblioteca Pública – porta abre para dentro, Prefeitura de Rio Branco, porta abre lateralmente, CRIE – porta abre lateralmente, Assembleia Legislativa – porta abre para fora, Palácio da Justiça – porta abre para dentro, Fórum de Rio Branco – porta abre para dentro.

Esta pequena amostragem indica que temos um problema: sete (58%) edifícios têm portas de saída que abrem para dentro, dois (17%) abrem para fora e três (25%) abrem lateralmente. As portas que abrem lateralmente podem ser uma saída segura se for possível abri-las manualmente e rapidamente. Se não, elas seriam como as portas que abrem para dentro.

Como mencionamos antes, uma porta de saída que abre para fora (somente 17% da amostra) não é garantia de que a rota de fuga seja eficaz. Afinal, alguém pode deixar trancada a porta ou colocar cadeiras no meio de passagem, mas uma porta de saída que abre para dentro sugere que a rota de fuga tenha problemas sérios.
Mais importante do que uma porta de saída que abre para fora é a cultura de preparação e antecipação de problemas para poder minimizá-los, seja numa boate, num edifício alto ou numa floresta incendiável. A história de tragédias que vai além da Boate Kiss, da Torre Grenfell, das florestas de Portugal, fornece uma referência. Agora citando Santayana corretamente: “Quem não lembra do passado, é condenado a repeti-lo.” Tomara que possamos aprender e aplicar as lições dessas histórias de desastre e não repeti-las.

Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da Ufac. Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT Servamb e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da Ufac. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).

 

A Gazeta do Acre: