Bom dia a todos… Em outra oportunidade já discutimos a importância de seu celular, mas lendo uma reportagem essa semana um dado me chamou atenção, 77,9% dos brasileiros usam celular. Ou seja, de cada 10 pessoas no Brasil oito usam regularmente um aparelho portátil.
Você poderia agora estar se perguntado, qual a relevância dessa informação? Em um primeiro momento tal dado não nos parece tão relevante, entretanto, à medida que os meios de comunicação ficam mais diversos e acessíveis constituindo-se tecnologias cotidianas, devemos tomar certos cuidados e entender diversos novos aspectos da vida social e porque não nos preocuparmos que repercussões esses aspectos podem ter no mundo jurídico. A dúvida é: gravar conversa é crime?
Torna-se cada vez mais comum e mais recorrente entre cidadãos comuns, sejam por meio de aplicativos de celulares ou por meio de gravadores estrategicamente escondidos a conduta de registrar os áudios e armazena-los, pois quem sabe quando tais informações poderão ser usadas e com que intuito e qual proveito?. A questão é complexa, pois envolve uma série de fatores: liberdade de expressão, direito à intimidade e à privacidade, propriedade intelectual, legalidade e diversos outros fatores que acabam se conflitando.
O fato é que sempre encontraremos quem defenda e quem critique tais praticas. Resolvi escrever hoje sobre esse tema, pois durante a semana acabei por presenciar um amigo mostrar sua falta de conhecimento sobre o assunto, tão em evidencia nas ultimas semanas devido aos escândalos envolvendo autoridades de Brasília e uma “gigante” do comercio de carnes (adoraria aprofundar este tema e talvez o faça em outra oportunidade).
Se você está familiarizado com o mundo do Direito ou realiza pesquisas sobre questões jurídicas, já deve estar naturalmente acostumado com a reposta mais sublime e dogmática deste fascinante universo, que é idêntica à tantas outras perguntas: DEPENDE.
Se você por outro lado não está acostumado com nosso universo, essa com certeza é uma resposta que aparentemente não responde qualquer indagação, certo? Não se aflija, vou explicar: Gravar conversa é crime em determinadas situações e exercício regular de direito em outras.
Portanto, o que devemos entender é em que situações tenho pleno direito de gravar conversas, armazena-las e até usa-las se for necessário e tudo isso amplamente amparado pela legalidade.
O que define a existência ou não de crime são elementos inteiramente conceituais e depende via de regra de três aspectos básicos. Em primeiro lugar, é necessário analisar se a conversa gravada pelo indivíduo é um diálogo no qual ele próprio participa – se for, a regra é que a prática não seja criminosa.
Caso seja uma conversa de terceiros, é necessário definir se havia uma autorização judicial para que ela fosse gravada – dando licitude à conduta.
Em terceiro lugar, ainda, é necessário interpretar a finalidade da gravação – em especial, se há intenção de divulgação ou se há intenção de defender-se com a gravação.
Entende-se, no direito, que gravar conversa é crime quando a conversa é de terceiros e não há autorização judicial para que o procedimento ocorra. A lei 9.296, de 1996, define os procedimentos relativos à autorização para a gravação lícita de conversas de terceiros.
Este tipo de gravação chama-se interceptação lícita e pode ser utilizada como prova em processos e investigações. Gravações podem ser utilizadas como provas judiciais em alguns casos, de acordo com as circunstâncias observadas pelo juiz responsável. Não é uma garantia que uma gravação pessoal deva ser aceita em um processo, pois sua legitimidade é discutível.
Só é legítima uma interceptação de conversa em casos onde não há outros meios de produzir provas, senão através desta interceptação. Não havendo estes requisitos e a emissão da ordem judicial, gravar conversa é crime quando trata-se de conversas alheias. Além disso, apenas autoridades competentes podem solicitar a ordem e executá-la, como policiais envolvidos na investigação em questão e representantes do Ministério Público que também façam parte da investigação penal.
Naturalmente, para uma autorização de interceptação, deve haver indícios razoáveis de que a interceptação será relevante para o processo e o fato sendo julgado deve apresentar possibilidade de pena de reclusão (mais grave).
Este é um tema controverso e que merece muita atenção e cuidado, vivemos em uma sociedade que aparentemente não respeita limites e que por vezes duvida da capacidade de suas instituições e da eficácia de nossa legislação. Cuidado ao registrar um diálogo, mesmo que de forma despretensiosa e inocente este ato pode ser encarado como um crime, dependendo do uso final do produto conquistado.
Importante dizer que tal conduta pode inclusive acarretar inúmeros reflexos jurídicos para os envolvidos. “Toda a capacidade dos nossos estadistas se esvai na intriga, na astúcia, na cabala, na vingança, na inveja, na condescendência com o abuso, na salvação das aparências, no desleixo do futuro.”. Rui Barbosa.
Bom domingo.
MARCELO MORAIS
Professor, Advogado, Pós-graduando em Direito Tributário.
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