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Comerciantes e consumidores alegam que a lei que concede desconto ao pagamento em dinheiro não é novidade

Comerciantes e consumidores alegam que lei a que possibilita descontos quando o pagamento for feito em dinheiro não é novidade

Lojas já apostavam no desconto em pagamentos feitos em dinheiro

A lei que possibilita desconto para o consumidor quando o pagamento for feito em dinheiro foi sancionada no último dia 26, pelo presidente Michel Temer. A equipe do Jornal A GAZETA foi às ruas saber como a população recebeu a notícia, que tem como principal objetivo aquecer a economia. E em todos os lugares a fala era sempre a mesma: “isso já era feito antes”.

A gerente de loja Maiquiline Arias tem boas expectativas com a lei, mas revela que os descontos já são uma prática do estabelecimento. “A gente trabalha com desconto sempre. Além do desconto, nós trabalhamos com promoções ao longo do ano para agradar os clientes. A nossa cultura é de beneficiar os nossos clientes para fidelizar. Com isso, a gente dá muito desconto em pagamento à vista, no débito. No parcelado não cobramos juros. No entanto, nossa maior demanda é no crediário”.

A vendedora Kelly Lima dos Santos trabalha em uma tradicional loja de confecções no bairro Estação Experimental. A lei, para ela, é só mais um amparo para a prática já realizada há anos. “Aqui na loja a gente já usava isso. Não vai fazer diferença nenhuma. À vista é um preço e no cartão é o preço normal da vitrine. Se no cartão de crédito, por exemplo, a peça custa 60 reais, no dinheiro à vista tem 10% ou então uma vez no cartão”.
Apesar das promoções e dos descontos para beneficiar o consumidor, Kelly afirma que a maioria dos clientes opta pelo pagamento no cartão. “Quando o comércio está bom, o melhor pra gente é receber em dinheiro. Mas, como ultimamente está tendo muito assalto, o cartão de crédito se torna uma opção mais segura para o comerciante”.

Há dois meses, a comerciante Delcimar Bezerra decidiu deixar o cartão de crédito de lado e optar pelos pagamentos feitos à vista no dinheiro. A medida tem feito toda a diferença na economia de casa. Um dos motivos que a levou a tomar tal atitude foi não conseguir controlar os gastos no cartão. Por isso, enquanto consumidora, ela comemora a lei.

“Eu pagava muita coisa em cartão e a gente acaba que não enxerga algumas coisas, como a taxa do cartão, que é altíssima. Tudo o que for de desconto é válido. Eu sei que o dinheiro realmente em si está difícil, por isso algumas pessoas preferem pagar um pouco a mais, porém, parcelado. Ter o dinheiro em espécie está difícil, mas é bem melhor.”

Por outro lado, a autônoma Neide Oliveira acredita que a medida pode ser usada indevidamente por alguns comerciantes. “Às vezes, eles deixam embutido nos descontos o valor real. Aumentam o preço e quando a gente vai parcelar o valor chega a triplicar. A gente pergunta quanto custa e eles dizem que é 20 reais, mas fazem de 15 reais se for à vista no dinheiro. Quando chego lá na frente tem a mesma peça por 12 reais”, aponta.

Lei visa estimular a livre concorrência, aponta Fecormécio

A lei que possibilita descontos nos pagamentos feitos à vista no dinheiro tem origem na Medida Provisória (MP) 764/2016. O assessor da presidência da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Acre (Fecomércio) para assuntos econômicos, Alexsandro Barros, afirma que ainda é cedo para falar de impacto de valor. No entanto, ele antecipa que a medida é benéfica para o comércio local. “A lei vai trazer benefício tanto para o comerciante quanto para o consumidor. O objetivo maior é estimular a livre concorrência. Ela será ótima, tendo em vista que vai manter o giro do estoque, para aquecer a economia, para ter mais dinheiro no mercado”.

A Fecomércio já planeja uma pesquisa para analisar o impacto da lei no comércio, mas, até lá, a análise é positiva. “No cartão, o empresário compra do fornecedor dele para pagar dividido. Só que ele vende no cartão de crédito para receber em 30 ou 60 dias. Então houve um descompasso no fluxo de caixa dele. Ele tem que pagar o fornecedor e ainda não recebeu o dinheiro do cliente. E ele vai onde? Para os bancos pegar dinheiro emprestado. Estimulando o comerciante a comprar à vista para ter desconto, ele terá o dinheiro na mão, vai poder pagar o fornecedor em dia, vai poder antecipar o pagamento dele, vai poder negociar um taxamento melhor e aí vai ganhar ele e também o consumidor”, aponta o Barros.

O assessor vê a falta de um limite para o desconto como um problema. Segundo ele, na venda a prazo, não foi estipulado qual o percentual para ser cobrado nessa modalidade de vendas. “É o empresário que vai decidir. O cliente vai procurar o menor preço”.

“A lei não traz benefício nenhum para o consumidor”, declara diretor do Procon/AC

O diretor do Órgão de Proteção e Defesa do Consumidor do Acre (Pronco/AC), Diego Rodrigues, atenta para algumas possíveis falhas na lei. Uma delas é a subjetividade, que não limita o alcance desses descontos ao comerciante. Ele afirma que no primeiro momento, o Procon vai orientar e divulgar, mas, posteriormente, qualquer indício de irregularidade do mercado será punido.
“A lei não traz benefício nenhum para o consumidor. De fato, ela é boa para o empresário, para o comerciante, para o fornecedor, mas para o consumidor ela não é. Essa manchete de agora estar regulamentado em lei a possibilidade de dar desconto na verdade é uma pegadinha. O desconto sempre foi uma prática do mercado e da mesma forma continua a critério do fornecedor, do comerciante dar o desconto. Ou seja, não mudou nada. O que essa lei trouxe de mudança é que agora os valores poderão ser diferenciados nas formas de pagamento e nos prazos de venda do produto. Agora, o consumidor pagará um preço quando for à vista e em dinheiro, poderá pagar outro valor no cartão na forma de débito e também na forma de crédito. E ainda há uma quarta situação que é quanto aos prazos. O produto vendido hoje em cinco vezes poderá ser em um valor, em dez já será outro”.
Segundo o diretor do Procon, a lei não deixa claro os percentuais e quais são os valores dos descontos. A orientação diante disso é de que os comerciantes mantenham o equilíbrio. “O consumidor deve estar informado dessas mudanças. O comerciante tem a obrigação de informar se vai aderir a essas mudanças de forma clara. Nesse primeiro momento, poucos comerciantes aderiram a essa prática da lei. Estamos agora em um momento de orientação e divulgação. Iremos fazer um planejamento de ação para fiscalizar posteriormente”.
Para identificar casos de valores abusivos, o Procon/AC adota a mesma prática que o mesmo indica aos consumidores: pesquisar. “Os produtos e valores precisam ser pesquisados para que a gente tenha um equilíbrio de mercado. Mas do que nunca, agora, é importante a pessoa pesquisar antes de adquirir o produto que almeja para garantir o melhor preço e não ser lesado. E o Procon utiliza a mesma estratégia. A gente faz uma pesquisa de mercado dos valores estabelecidos, solicitamos das empresas de cartões de crédito as taxas destinadas aos fornecedores e comerciantes, para que a gente possa garantir um equilíbrio nessas cobranças”.

A lei afirma que o consumidor terá descontos, mas na verdade essa é uma prática que sempre existiu no mercado, garante Diego. “Para mim, essa é uma medida fiscal em benefício dos empresários. Infelizmente, nós sabemos que, em sua maioria, o consumidor não tem a prática de pesquisar valores dos produtos e isso é um ponto negativo. Não vejo que a lei vai trazer benefício para a livre concorrência. Na verdade não traz benefício nenhum”.

Para realizar denúncias, basta ligar no (68) 3223-7797. Qualquer abusividade na relação de compra e venda deve ser denunciada, reforça o diretor. “Se algum comerciante ou consumidor se aproveitar da lei para tentar lesar o consumidor, não tenha dúvida de que o Procon vai autuar e aplicar a multa, que vai de acordo com o faturamento mensal ou anual da empresa”.

Diretor do Procon, Diego Rodrigues, garante que abusos serão autuados

Comerciantes serão incentivados a dar o desconto, garante Acisa

Vendedoras afirmam que a loja sempre apostou nos descontos para pagamentos em dinheiro

Com quase 600 associados no Acre, a Associação Comercial, Industrial, de Serviços e Agrícola do Acre (Acisa) acompanha de perto o movimento do mercado. E a lei que possibilita descontos quando o pagamento for feito em dinheiro ser sancionada pelo presidente da República é um fato que não passou batido.

De acordo com o presidente da Acisa, Celestino Bento, a associação já trabalha no intuito de propagar a medida. “Vamos explanar em meios de comunicação para todos os associados para fazer adesão dessa lei o mais cedo possível. De certa forma, ela beneficia tanto o consumidor quanto o empresário, o comerciante em geral. Vamos orientar para que todos os associados venham a aderir a lei e passem esse desconto aos consumidores”.
Segundo ele, a lei é um motivo a mais de barganha para o consumidor ter o desconto na hora da aquisição do produto. “A partir do momento que o comprador chega com o dinheiro à vista na mão, o comerciante não vai repassar para a operadora do cartão de crédito. Assim, ele pode dar 1% ou 2% de desconto a mais para o cliente. Essa medida aumenta um pouco o poder aquisitivo do consumidor, o que hoje é mais do que uma necessidade. A taxa cobrada pelas operadoras de cartão de crédito varia de segmento, depende de demanda e do segmento. São taxas que vão de 1,5% até 6%, dependendo da negociação”.

A lei não é obrigatória, destaca Celestino Bento. Vai depender dos empresários aderir ou não. Portanto, não há necessidade de fiscalização, garante. “Se o consumidor não gostou do valor cobrado em um local, ele tem o livre arbítrio para ir a outro. O mercado hoje é tão acirrado, tão disputado, que é pouco provável que alguém vá agir dessa forma. Quem age assim, a tendência é perder espaço. Não vejo nenhum motivo para que o empresário não coloque a lei em prática e passe esse desconto o mais breve possível para o consumidor”.

O presidente da Acisa rebate o posicionamento do Proncon/AC contrário à lei e reforça a crença na lei em mudar o cenário atual. “Disse que a lei é um retrocesso. Eu achei um absurdo aquele comentário. Pelo contrário. A lei vem ajudar a livre negociação. É um momento de unir esforços para que a economia volte a aquecer. Pode parecer que 1%, 2% de desconto é pouco, mas só se você pegar individualmente. No geral, esse desconto representa muito dinheiro. Nós precisamos de meios para voltar a aquecer a nossa economia e esse é um dos que pode também estar contribuindo para isso”.

A Gazeta do Acre: