Três artigos muito reveladores sobre o que nos reserva o futuro caso os esforços para conter o aquecimento global em curso fracassem foram publicado ontem (31/07) na revista científica Nature Climate Change.
O primeiro diz respeito à improbabilidade de se evitar que o aumento global de temperatura em razão da emissão de gases causadores do efeito estufa fique abaixo de 2°C até o ano de 2100. O segundo alerta que as mudanças climáticas decorrentes do aumento da temperatura poderão causar até 215 mil mortes anuais devido à poluição atmosférica em 2100. E o terceiro afirma que mesmo que as emissões dos gases causadores do efeito estufa parassem hoje, as temperaturas aumentariam quase 1,5ºC até 2100 em razão das emissões ocorridas até o presente.
Os resultados desses estudos são extremamente preocupantes, especialmente se considerarmos que um acordo global envolvendo representantes de 195 países foi firmado em dezembro de 2015 em Paris durante a realização da 21ª Conferência das Partes (COP-21) das Nações Unidas exatamente para garantir que o aumento da temperatura global fique abaixo de 2°C até o ano de 2100.
O acordo de Paris, resultado de mais de 10 anos de intensas negociações, já foi ratificado por 167 países, inclusive o Brasil, e obriga os signatários a desenvolver estratégias para limitar em valores bem abaixo de 2ºC o aumento médio da temperatura no planeta – o compromisso seria de se permitir um aumento de apenas 1,5ºC.
Apesar da euforia política, a concretização das metas de emissão de gases causadores do efeito estufa assumidas pelos signatários do acordo de Paris é algo difícil de ser alcançado. Acontece que o acordo não especificou quais seriam as metas de redução de emissão obrigatórias para cada país. No lugar disso, cada país submeteria metas voluntárias de redução. Até meados de 2017 os países que ratificaram o acordo já tinham submetido 165 metas de redução.
Além disso, os países não são obrigados, em caso de mudança de governo, a continuar aderindo ao acordo. Foi o que fez Donald Trump, o novo presidente dos EUA, no início de junho ao anunciar a retirada de seu país do acordo. Os EUA, responsáveis por 18% do carbono lançado na atmosfera, são o segundo maior emissor de gases depois da China.
Barack Obama, o antecessor de Trump tinha se comprometido em reduzir entre 26% e 28% o nível das emissões americanas até 2025 e, para cumprir cláusulas do acordo, já havia transferido 1 bilhão de dólares, de um total de 3 bilhões prometidos pelos EUA, para o Fundo das Nações Unidas para o Clima antes de deixar o cargo.
Para piorar o cenário, os compromissos de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa anunciados por 187 países imediatamente antes da celebração do acordo de Paris farão com que as emissões globais atinjam 55 gigatoneladas de CO2 em 2030. Esse número, além de incompatível com a meta conter o aumento abaixo dos 2°C, na verdade, coloca o planeta em uma trajetória de aumento de 3ºC.
Considerando que na atualidade as emissões globais de CO2 estão por volta de 52 gigatoneladas, apenas para cumprir o prometido para o ano de 2030, será necessário baixar as emissões para 40 gigatoneladas! Uma diminuição de 23% nos próximos 13 anos que a recente saída dos EUA torna pouco provável de ser concretizada.
É importante ressaltar que já em 2015 a Organização Meteorológica Mundial mostrava que o aquecimento do planeta aproximava-se de 1ºC, tomando como base os valores das temperaturas médias globais observadas no planeta antes do início da revolução industrial, em meados de 1800.
No estudo sobre o aumento da temperatura global publicado na revista Nature Climate Change os autores sugerem que o aumento deverá ficar entre 2ºC e 4,9ºC até 2100. As chances de o aumento ser inferior a 1,5ºC, como sonhada pelos países signatários do acordo de Paris, é de apenas 1%. Para chegar a essas conclusões os pesquisadores usaram dados da população mundial projetada pela ONU para o ano de 2100, projeções do produto interno bruto (PIB) per capita dos países e projeções das emissões relacionadas com a evolução do PIB. Esses dados foram então combinados com as projeções climáticas divulgadas pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU para o ano de 2100.
No estudo que revela um aumento substancial de mortes prematuras em decorrência do aumento da poluição atmosférica, e que no pior cenário poderá resultar em 215 mortes anuais em 2100, os autores indicam que o incremento previsto na mortalidade ocorrerá em todas as regiões do globo, exceto a África, com efeitos extremamente graves no leste da Ásia (China e regiões adjacentes).
Dentre os estudos publicados ontem, o que apresenta resultados mais preocupantes é o que afirma que mesmo que as emissões de gases causadores do efeito estufa parassem hoje, as temperaturas planetárias continuariam a aumentar, chegando a um aquecimento próximo de 1,5ºC até o ano de 2100. Para chegar a essa conclusão, os autores consideraram aspectos como o tempo de vida do CO2 e o processo de captura de carbono pelos oceanos. Para eles, as emissões de gases causadores do efeito estufa – em função de sua perenidade na atmosfera – são suficientes para garantir que a temperatura planetária continue a subir lentamente.
Para saber mais:– Committed warming inferred from observations, por Thorsten Mauritsen & Robert Pincus. Publicado em: Nature Climate Change, 31 de julho de 2017.- Less than 2 °C warming by 2100 unlikely, por Adrian E. Raftery, Alec Zimmer, Dargan M. W. Frierson, Richard Startz & Peiran Liu. Publicado em: Nature Climate Change, 31 de julho de 2017.- Future global mortality from changes in air pollution attributable to climate change, por Raquel A. Silva, J. Jason West, Jean-François Lamarque e outros. Publicado em: Nature Climate Change, 31 de julho de 2017.