[dropcap]E[/dropcap]u acordava pouco antes de amanhecer, vestia o biquíni e ia à praia. Às vezes chegava a tempo de ver o sol, a lua e as estrelas no mesmo céu. Ouro, azul e prata. Verde também, que a serra estava bem ali atrás. Era um evento de contemplação. E eu me sentia muito bem, silenciosa e íntima da natureza.
O cheiro do mar abraçava minha alma, fazendo-me lembrar dos tenros anos. Então eu molhava os pés e caminhava rente à água. Sentia o vento suave da manhã, satisfeita, e sabia que viver pode ser simples, com muitos luxos insondáveis. Caminhava até começar a cansar e aí dava meia volta, para o retorno.
Mas naqueles dias atingia o limite antes do que de costume. É que eu carregava mais peso. Uma barriga grande, um bebê a bordo de mim. Era Antônio, meu menininho, hoje rapaz. Com ele eu conversava, enquanto celebrávamos a alegria de compartilhar o mesmo corpo, conectados de todas as formas.
E, como se tivesse estado a vida toda com aquele ser, já tão encantador, dentro de mim, eu não gostava de pensar na nossa separação, inevitável – o célebre obstetra francês Frédérick Leboyer afirma que é essa resistência emocional da mãe que torna as contrações do nascimento dolorosas. E, que, não fosse assim, o parto seria, pasmem, um episódio prazeroso!
Então eu aproveitava aquele tempo de completude e lhe falava das coisas boas de estar do lado de cá. Entrava na água, àquela hora ainda fria nos mares do sul, e mergulhava, perguntando-me de que forma ele, também imerso no meio líquido, estaria experimentando a sensação. Depois expunha a barriga à luz do sol, imaginando que ali dentro, no mundo de Antônio, tudo deveria estar rosado.
Tudo muda, tudo passa. E é doce poder trazer estas lembranças comigo.
“Celebrávamos a alegria de compartilhar o mesmo corpo, conectados
de todas as formas”