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Foi mal, ‘Lúcia’!

Quem não tem uma história da qual já fez algo que se arrependeu? Um pedido de desculpa que ficou travado sem nunca ter sido dito, seja por vergonha, medo ou outro motivo mais bobo. Bom, eu tenho uma agora que incorre em minhas lembranças. E quero reparar meu erro.
Certo dia, muito tempo atrás, em uma manhã qualquer de segunda-feira, eu estava a caminho da escola. Era só mais um começo chato de semana, sem quaisquer grandes expectativas, nem atitude ativa da minha parte. Mais um dia ao qual eu deixaria os acasos e desacasos da rotina me guiar, como se fosse num ritmo de piloto automático. Piloto este só interrompido pelas perturbações de uma pessoinha que não convém chamar o nome verdadeiro, portanto, vamos apelidá-la apenas de ‘Lúcia’ [Por quê Lúcia? Assista ao seriado ‘Lúcifer’ que você vai saber].
‘Lúcia’ era chata. Pronto. Resumi-a perfeitamente. Tinha voz irritante, não passava uma boa impressão na sua imagem [sim, ela era desprovida de beleza], se achava e ainda tinha o dom de me ‘aperriar’ naqueles dias mais sensíveis da minha ‘doce adolescência’.
Conversas e ritos colegiais passaram rápidos, monótonos, até que o chamado intervalo (naquele tempo, pra mim, ainda ‘recreio’) veio e se foi mais rápido ainda. Toca o sino, hora de voltar ao ‘mais do mesmo’ até o fim da manhã. Mas na volta do intervalo/recreio para a sala, algo peculiar me ocorreu. Logo ao adentrar a sala, Lúcia estava lá no seu ar de ‘pertubação’ nos coleguinhas da sala. Na minha boca amargava um chiclete já inconsistente e sem gosto que eu sabia que ali não tinha mais utilidade, mas que faria toda a diferença com um novo propósito de ser.
Em modo sorrateiro, sentei em meu lugar, cuspi o chiclete da boca e o pus, discretamente, no encosto da cadeira de ‘Lúcia’, que, para meu infortúnio, sentava bem ao meu ladinho. Levantei para fugir da cena do crime e, a medida que me afastava, fui pensando nas raivas que ‘Lúcia’ me fez, numa tentativa de me fazer crer que era merecido o que eu aprontaria com ela.
Só que junto às coisas ruins, vieram umas memórias indesejadas, que eu nem sabia existirem. Lembrei de coisas quase agradáveis com ‘Lúcia’. Momentos banais como ela me emprestando uma caneta instantes antes de uma prova, ou um sorriso sincero ante alguma meninice da sala. Depois veio-me uma simulação do que ocorreria quando ela sentasse e o chiclete grudasse em seu cabelo. O trabalho que seria para tirá-lo, e até a imaginei careca [nossa, que visão!].
O arrependimento bateu logo, e eu voltei para remover o chiclete. Não deu tempo. Ela sentou e o chiclete fez seu serviço sujo. Lúcia perdeu uma mecha do cabelo. O ‘crime’ ficou impune.
Eu devia um pedido de desculpas à chata da ‘Lúcia’. Ela era insuportável? Era. Mas não merecia um chiclé no cabelo. E minhas desculpas agora de nada valem, pois quase 20 anos já se passaram. Não vai reparar nada. E essa é a moral da história: não guarde as palavras que precisam ser ditas em certo momento (se não na hora, porque você travou, pelo menos as assuma logo depois). Não as guarde por anos. O tempo, sempre ele, vai se dar ao trabalho de tornar suas palavras vazias de significados. Ou seja, é o mesmo de elas nunca terem sido ditas.

 

“Não guarde as palavras que precisam ser ditas no
momento”

A Gazeta do Acre: