Dona Maria Evangelista era como tantas mulheres acreanas. Nascida e criada no seringal, durante a adolescência, nos anos 30, mudou-se para Sena Madureira. Ali se casou com Francisco Nogueira e tiveram cinco filhos.
Com os seus vencimentos de soldado, Francisco dava duro para sustentar toda a família. E Maria se desdobrava: cuidava dos filhos, limpava e arrumava a casa, lavava, passava… E rezava. Na fé ela sentia força para dar conta do seu recado.
Também cozinhava. Fazia aquela comidinha simples do dia a dia, mas tão bem temperada com amor e capricho, que seu cheiro se espalhava pelas redondezas. Quando cuidava que não, lá estavam os seis filhos da vizinha da frente, sentadinhos no chão da sua sala, esperando, com olhos famintos, que ela servisse o almoço.
E Maria compartilhava com essas outras crianças a comida já contadinha das suas, e que também era para ela, o marido e duas senhoras sem família que acolhera em sua casa. Depois, avisava Francisco: “Nego, o arroz acabou”, “O feijão acabou, neguinho”, “Não tem mais farinha”…
– Já, nega? Mas eu trouxe na semana passada!
– Pois é, mas tu sabe que os meninos da vizinha vêm comer aqui e eu não tenho coragem de negar comida pros bichinhos.
Todo ressabiado, lá ia o Francisco tentar fazer o milagre da multiplicação dos seus recursos. Até que teve uma ideia: com esforço, conseguiu juntar um dinheiro e comprou uma terrinha, não muito longe de casa.
Ali começou a plantar arroz, feijão, milho e macaxeira. Frutas também: banana, abacaxi, melancia, abacate. E a rocinha foi se desenvolvendo. Depois ele inventou de fazer uma casa de farinha também. E nas folgas chamava as crianças para ajudar na farinhada. A despensa foi enchendo, as panelas também, e o bucho da criançada também.
Resolvido? Mais ou menos. Começaram a aparecer outras crianças pro almoço. Maria se manteve firme no seu propósito. E Francisco na sua roça.
Até que os meninos cresceram, a família se mudou para Rio Branco, e ali se estabeleceram, sem maiores dificuldades. Muitas décadas depois, quando o casal já havia falecido, uma mulher de aparência distinta abordou um dos filhos do casal, de nome Ladislau, e se apresentou. Era uma das crianças da vizinha da frente.
Eles se saudaram amistosamente, lembraram os velhos tempos, e então ela disse:
– Ladi, se eu e os meus irmãos escapamos da fome, foi por causa da bondade da tua mãe, que nunca negou um prato de comida pra nós.
“Quando cuidava que não, lá estavam os filhos da vizinha sentadinhos no chão da sala, esperando o almoço”