Ícone do site Jornal A Gazeta do Acre

A questão do Acre no The New York Times (Parte 8)

BRASIL ADVERTE A BOLÍVIA

[…continuação do texto publicado na parte 7 dessa série de artigos. O artigo é uma entrevista com o Sr. Whitridge, a quem a Bolívia tinha dado os direitos de exploração do Acre]

… “Se você consultar um mapa do extremo oeste do Brasil você observará que o território acreano é praticamente um triângulo formado em dois lados pela fronteira da Bolívia com o Peru e no outro com o Brasil, na parte conhecida como Estado do Amazonas”.
“Este triângulo de terra é banhado por 12-15 rios, muitos adentrando o Brasil. Eu chamo a atenção para esse fato de esses rios serem o meio de transporte para o mundo exterior do grande suprimento de borracha existente no Acre. No momento o governo boliviano possui postos fiscais em todos os rios, exceto em dois deles, o rio Purus e o Madeira. Consequentemente, em anos passados era comum brasileiros vindos do Estado do Amazonas subir esses rios sem postos de fiscalização bolivianos e explorar toda a borracha que quisessem sem se incomodar com os fiscais bolivianos. Por isso, seu disser que o contrato de concessão do Acre que me dá direito de administrar o Acree cobrar imposto de exportação em todos os rios que saem do Acre, você entenderá as razões para o povo do Amazonas estar tão indignado e ameaçar com a invasão do Acre”.
[O Sr.Whitridgemostrou que pouco conheciada realidade do Acre de então. Para os brasileiros- patrões ou empregados -os postos de controle bolivianosnunca foram motivo que impedissea ocupação e exploração do Acre].

“Agora, em relação à disputa ou a alegada disputa fronteiriça entre o Brasil e a Bolívia. Um tratado foi assinado entre o Brasil e a Bolívia nos anos 60 fixando a linha como correndo de um ponto fixo no rio Madeira (nas cachoeiras do rio Madeira) até um ponto no rio Javari. Em 1874 uma disputa surgiu em relação a esse ponto próximo às cabeceiras do Javari e uma linha foi traçada para determiná-la. Mais tarde o Brasil protestou e uma nova pesquisa foi feita e a linha foi alterada levemente para o sul. Três anos atrás uma comissão conjunta foi formada e a decisão final foi aceita pelos dois países. Se isso finalmente eliminou o assunto, no que concerne às preocupações que o mesmo causa ao Brasil, isso pode ser melhor julgado pelo seguinte resumo da segunda mensagem que o Dr. Manoel Ferraz de Campos Salles, presidente do Brasil, enviou ao Congresso em junho de 1899: “Por meio de um protocolo aqui assinado em 30 de outubro de 1899, a disputa entre o Brasil e a Bolívia no que se refere ao ponto de fronteira do Javari foi satisfatoriamente resolvida”.
[Ele referia-se ao fato de o presidente Campos Salles ter informado ao Congresso que aceitou a resolução da disputa fronteiriça no que concernia ao Acre. E o Sr. Whitridge estava certo!Não existia mais nenhuma disputa de fronteira. A alegação do Barão do Rio Branco foi “jogo baixo”.Usou de uma matéria já resolvida para tentar criar fato novo].

“E então, aconteceu que durante a minha última visita à Inglaterra, de onde retornei há pouco tempo, eu me encontrei com a pessoa responsável pela realização dos trabalhos de demarcação em campo de cada uma das três linhas divisórias demarcadas. E ele me assegurou que essa disputa fronteiriça não existe porque para a Bolívia foi assegurado o direito de posse sobre todo o território ao sul dos pontos onde hoje estão localizados os postos de alfândega bolivianos”.
[Foram três expedições mistas Brasil-Bolívia para localizar corretamente as cabeceiras do rio Javari: em 1874, com os brasileiros chefiados pelo Barão de Tefé; em 1897,sob a chefia de Cunha Gomes; e em 1901, sob a liderança do astrônomo belga naturalizado brasileiro Luis Cruls. No lado boliviano conseguimos identificar Carlos Satchell, que esteve na viagem com Cruls e do qual não se tem maiores informações. Como Cruls morreu em Paris em 1908, é possível que o Sr. Whitridge tenha conversado com este em 1902].

“Resta me perguntar sobre o que farei a respeito da atual situação. Não me vejo fazendo qualquer coisa. Certamente eu não estou em posição de ir à guerra com o Brasil para proteger os direitos de concessão que me foram outorgados. Eu preferiria perguntar o que o governo dos Estados Unidos irá fazer a respeito. É bem provável que isso não irá forçar o Brasil a recuar, embora administrações passadas dos Estados Unidos tenham expressado de forma bem explícita o seu direito de agir em casos similares no continente americano se assim decidisse”.
[O capitalista americano estava “lembrando” ao governo brasileiro que tropas americanas desembarcavam com frequência em países nos quais companhias americanas tinham seus negócios ameaçados por interesses políticos locais. Essa política intervencionista ocorreu entre 1898 e 1933 e deu origem ao codinome “Republica das Bananas” aos países da América Central invadidos em razão da ameaça aos plantios de banana que companhias americanas mantinham nos mesmos].

“Eu penso que quando uma propriedade americana é ameaçada, uma intimação gentil dificilmente seria adequada para impedir o Brasil de tratar de forma tão arrogante um vizinho mais fraco; uma mensagem do tipo, formulada em linguagem diplomática, talvez seja enviada por Washington. Eu acredito que o Departamento de Estado tenha uma visão amistosa do nosso empreendimento, e esperamos que todas as dificuldades possam ser resolvidas”.
“Claro que os brasileiro não nos querem lá. E isto não deve ser questionado. Eles não gostam da gente e dos nossos métodos. Mas eu penso que nossa concessão será encaminhada mesmo assim”.
Entre os que se dizem interessados no desenvolvimento da concessão no Acre, e que serão associados de forma proeminente com a nova companhia se ela for formalmente estabelecida, estão August Belmont, Frederick P. Olcott, presidente da Central Tr ust Company e membros da firma Brown Brothers & Co., e Vermilye & Co. Na Inglaterra, Sir W. Martin Conway, o conhecido explorador inglês que se diz ter chamado a atenção de capitalistas americanos para as possibilidades de investimento no Acre, é um dos que devem estar conectadosà corporação.

Dados do artigo original: “Brazil Warns Bolivia”, publicado pelo jornal The New York Times em 19 de junho de 1902.

 

*Evandro Ferreira é pesquisador do INPAe do Parque Zoobotânico da UFAC

Sair da versão mobile