Com que delicadeza nos recebeu naquela tarde em seu aconchegante chalé, na chácara. Houve carinho, café e guloseimas que ela fez especialmente pra nós. Que horas agradáveis, proveitosas, plenas de acolhimento mútuo e presença. Nenhum gesto em vão.
É que as sobrinhas que moramos tão longe sabíamos que poderia ser o último encontro com a tia e queríamos abraçá-la todo o tempo, com olhares, afagos e palavras.
Abatida, mas ainda amável e jovial, ela nos mostrou que seguia em frente. É verdade que, ao deparar com a doença, detestou-a e rebelou-se, como é de se esperar. Mas em algum momento compreendeu que a sua única chance de triunfo seria compreender o que a enfermidade tinha para lhe contar. Então, ergueu-se para além do temor e se manteve de olhos e ouvidos abertos.
Suportou mal-estares, dores, ambulatórios, químicas, picadas… E deixou que viessem à tona velhas mágoas: sentiu-as, falou sobre elas, tocou em suas próprias feridas, para poder purgá-las.
Até que se esvaziou. E aceitou a sua história. E pôde contemplar seu entorno com novos olhos. E ganhou uma vida mais leve e brilhante. E amou mais do que nunca filhos, netos, parentes, amigos, animais e seu grande quintal. Pudemos comprovar isso naquela tarde: ela parecia tomada por uma aura de serenidade perante o mundo e gentileza para com os semelhantes.
Então, quase um ano e meio depois, recebi a notícia da sua partida e deixei que lágrimas quentes corressem o meu rosto. Quando meu afeto escreveu uma cartinha para ela.
“Tia querida, toda gratidão por enfeitar as nossas vidas com a sua beleza. Por ter carregado esse nome lindo, que sempre soou como música ancestral para nós. Por sua doce voz, falando-nos com calma e humor. Por ter sido generosa com as nossas brincadeiras de meninas, e por depois ter sido paciente com as chatices da nossa adolescência. Por ter me dado essa prima tão amada e por me hospedar calorosamente em seu ninho tantas vezes. Ah, e por ter feito aquele doce que eu via nas revistas e babava de vontade de experimentar: os tais papos de anjo, lindos, fofinhos e deliciosos…
“Compreendeu que sua única chance de triunfo seria compreender o que a enfermidade tinha para lhe contar”
E, parabéns, tia, por ter ousado nos momentos em que considerou necessário, por ter tido a coragem de mudar, de experimentar o novo, de buscar a felicidade, de traçar outros rumos, mais satisfatórios para a sua vida.
Com ternura e saudade, está gravado o seu nome no meu coração: Italia Laureante.”
Onides Bonaccorsi Queiroz é jornalista, escritora e autora do blog verbodeligacao.wordpress.com
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