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Estradas e caminhos primitivos do Acre (….ou como chegar a Nova York!)

Alguns historiadores acreanos conhecem o autor “Castelo Branco”, cujo nome completo era José Moreira Brandão Castelo Branco Sobrinho. Nascido em São Gonçalo, Rio Grande do Norte em 1888, ele atendeu o ensino fundamental e médio em Natal, e concluiu em 1908 o curso de bacharel em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro.
Ingressou na magistratura logo depois, sendo designado para trabalhar no então território do Acre, onde foi juiz preparador entre 1909 e 1912 em uma comarca localizada no alto rio Juruá. Em 1913 foi transferido para a cidade de Cruzeiro do Sul onde permaneceu até 1931. Neste ano foi nomeado juiz de Direito da comarca de Sena Madureira, onde permaneceu até sua aposentadoria em 1933.
No ano seguinte foi nomeado por Getúlio Vargas Interventor Federal no Acre, ficando no cargo entre 21 de setembro de 1934 e 14 de abril de 1935. Ao final desse período ele retornou para o Rio de Janeiro onde atuou como advogado. Entretanto, desde os tempos em que vivia no Acre Castelo Branco tinha se mostrado um escritor prolífico. E foi graças a isso que ele foi eleito sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1956.
Uma de suas mais importantes obras é o livro “Juruá Federal”, originalmente publicado em 1922 no vol. IX, Tomo especial, da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro como parte integrante dos Anais do Congresso Internacional de História das Américas. O livro, que havia se tornado uma raridade, foi, felizmente, reeditado em 2005 pela biblioteca do Senado Federal por iniciativa do então senador Geraldinho Mesquita.
Este livro é uma verdadeira enciclopédia sobre a vida, os costumes e a história do Vale do Juruá e resultou das pesquisas realizadas pessoalmente pelo magistrado, que, como se pode ver hoje, era um historiador nato. Por todas as contribuições literárias que fez para a magistratura, política, história, antropologia, paleontologia e geografia do Acre, a obra e a vida de Castello Branco merecem ser pesquisadas mais a fundo por nossos historiadores.
Dentre os diversos artigos publicados por Castelo Branco, um despertou nosso interesse, pois nele o autor, entre outras coisas, descreve como os índios se locomoviam do Juruá para o Purus subindo e descendo pequenos afluentes e transpondo as cabeceiras com poucos trechos vencidos a pé. O título do artigo é “Caminhos do Acre” e foi publicado em 1947 no vol. 196, n° 3, da revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
No artigo Castelo Branco descreve um igarapé afluente da margem esquerda do rio Purus, acima de Manuel Urbano, conhecido como ‘Furo do Juruá’. Esse igarapé com nome tão inusitado também foi citado por Euclides da Cunha no livro “À margem da História”. Talvez as histórias que ele deve ter ouvido da população local sobre a suposta existência de uma ligação terrestre entre o rio Purus e o Juruá tenha influenciado e entusiasmado Euclides da Cunha ao ponto de ele ter sugerido a construção da ferrovia Transacrena para unir o leste e o oeste do Acre.
Interessa também resgatar historicamente uma proposta feita pelo Coronel Labre, fundador da atual cidade de Lábrea no Amazonas, explorador, desbravador, seringalista e político, para a construção de uma ferrovia ligando a cidade boliviana de Riberalta, na confluência do Rio Beni com o Rio Madre de Dios, ao Rio Acre. Proposta esta anterior à construção da ferrovia Madeira-Mamoré.
As qualidades de explorador e desbravador do Coronel Labre estão expressas na conferência realizada na Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro, onde ele descreve a viagem pelos varadouros indígenas, cruzando a pé da margem esquerda do Rio Madre de Dios, na Bolívia, e alcançando a margem direita do Rio Acre, na região onde hoje se localiza o Riozinho do Rola, nas proximidades do Lago do Amapá.
A parte trilhada a pé pela expedição do Coronel Labre foi realizada no verão amazônico, entre os dias 11 e 30 de agosto de 1877. Labre e sua equipe caminharam o trecho que foi o sonho de uma futura ferrovia ligando esses rios e que na época eram reconhecidos como rios Bolivianos. Depois que o Acre foi incorporado ao Brasil, os bolivianos optaram pela construção da ferrovia Madeira-Mamoré, 100% localizada em território brasileiro.
A conferência do Coronel Labre foi publicada em 1888 na Revista da Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro, Tomo IV, páginas 102-116.
Nessa mesma conferência de 1888, o Coronel Labre fala de uma pequena povoação comercial denominada “Nova York”, situada 18 quilômetros abaixo da boca do Rio Irary, o nome usado pelos bolivianos para designar o nosso Riozinho do Rola. Usando o Google Earth para medir a distância ao longo do rio Acre entre a boca do Riozinho do Rola e a histórica árvore “gameleira”, no centro de Rio Branco, temos uma distância de 16,7 km.
Diante da coincidência dessas distâncias geográficas fica aqui uma pergunta: seria Nova York o primeiro nome do Seringal Empresa fundado por Newtel Maia em 1882?
E a indicação da existência dessa localidade “Nova York” também está presente em artigo que reproduz a conferência proferida por Labre no Rio de Janeiro em 1888, publicado no Proceedings of the Geographical Society (Londres, vol. 11, nº 8, p.496-502), no qual foi acrescido um mapa indicando Nova York no local da antiga sede do Seringal Empresa, e atual cidade de Rio Branco.

*Evandro Ferreira é pesquisador do Inpa-Acre e do Parque Zoobotânico da Ufac
**Alceu Ranzi é paleontologista e professor aposentado da Universidade Federal do Acre

Fabiano Azevedo: