Outro dia, um grande amigo discutia comigo sobre feminismo e eu, de maneira incisiva, lhe dizia que só uma mulher sabe o que é ser mulher. O papo me rendeu o título de “intransigente”. Quando se trata disso, e dependendo do ponto de vista, talvez eu seja mesmo.
O fato é que ser mulher é uma experiência extraordinária, às vezes amargamente doce. Acometida de TPM, proponho-me refletir sobre a vida (ainda mais do que o normal). Nossa! A danada tá me rendendo uma verdadeira crise existencial. Sou emotiva por natureza, e nesses dias fico à flor da pele. E estar assim não é um apanhado de fantasias, ao contrário.
A ebulição de meus hormônios não afeta apenas o humor, mas a forma como enxergo o mundo. Tudo fica mais apurado: posso ouvir nitidamente a melodia que há no silêncio, porque, ao contrário do que se pensa, há compaixão no silêncio. Em alguns momentos, somente ele é capaz de nos acolher, embalar e serenar anseios.
Essa sensibilidade também torna o olfato mais apurado. Relembro aromas cativos, nunca mais sentidos, fragrâncias que me transportam para um universo paralelo. Revivo cenas, sorrio, choro e sinto saudade. Esse estado também me permite desfrutar o equilíbrio de uma boa xícara de café. Incrível como o cheiro de um bom grão torrado tem a capacidade de nos trazer de volta à realidade e estimular o recomeço.
A tão “temida” Tensão Pré-Menstrual, predadora felina, onça-pintada, torna-se uma gatinha de estimação aos se deliciar com doses necessárias de chocolate. É que nesses dias, o paladar entende que de amargo basta a vida e exige doçuras, também aceitas em gestos, afetos, abraços e ouvidos.
É como se os nossos cinco sentidos ganhassem superpoderes. A visão desabrocha como a flor onze-horas, há beleza no caos, nas lágrimas, no riso fácil. Os olhos deixam apenas de enxergar e passam a sentir o mundo, as pessoas, as plantas, eles materializam o amor.
Os ouvidos, atentos a todo e qualquer som, escutam aquela voz que vem de dentro, tantas vezes amordaçada. Pedem música boa, poesia, sussurros e declarações. Exigem silêncio, que pode ser interrompido pelas batidas do coração pulsante dentro do peito que nos serve de colo.
Em meio à crise de meus devaneios hormonais, enxergo a responsabilidade e o peso do que significa ser mulher, mas também sinto a leveza poética existencial que só esse gênero permite.
*Maria Meirelles é jornalista e feminista