Muitas são as interpretações da frase: “O INFERNO SÃO OS OUTROS”, de Jean Paul SARTRE (1905-1980). Particularmente, gosta desta: É o ser para os outros, o eu objeto. É a vergonha de ser olhado, pois “o olhar alheio me fixa e me paralisa”… É a sensação de culpa, por não ter cometido algo errado, mas por ser um objeto em meio às outras coisas.
Essa máxima é, na essência, a síndrome de Adão e Eva: “A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi”, disse Adão. Por outro lado, Eva, na sua autodefesa, indefensável, abriu a boca: “A serpente me enganou, e eu comi”. Então, sobrou para a serpente! Que, portanto, se tornou maldita!
De lá até aqui, e daqui por diante, o homem continuará transferindo suas culpas ao outro, afinal “o inferno são os outros”! É assim, nas mais simples relações passionais e de cumplicidade, até os grandes e conglomerados sociais. A falácia é a mesma!
Por quê? Porque o homem é, naturalmente, constituído de um espírito hedonista, que o leva a omitir a verdade, para não dizer mentir. O homem pode dizer a verdade dos fatos, mas prefere mentir! Esse fantástico mundo da mentira se alarga de forma sem medida em todos os segmentos sociais. Basta ver o sucesso dos programas de televisão fabricados para imbecilizar; os pregadores do “evangelho” que oferecem o paraíso sem falar das agruras da cruz.
Parece que o mundo de hoje é o mundo dos velhacos, dos trapaceiros, dos charlatões, infiltrados em todos os segmentos da sociedade. Deste modo, estamos todos privados de fim, de unidade e de verdade. O mundo parece sem valor. Mundo sem valor e cada vez mais distante dos princípios e leis da lógica, como arte do pensar, que mostra que a moral visa à edificação de um “reino dos fins”. Mundo em que a vontade legisladora de um “reino dos fins” infelizmente sucumbe diante da desonestidade dos que “edificam” na construção de um “reino dos meios”. Mundo, em que os governantes não são autocríticos. A culpa é sempre do outro.
Essa mania “perversa” de transferir, ao outro as causas das misérias humanas é o que faz suscitar, no seio da sociedade, as rivalidades, lutas e discussões inúteis, a corrupção, a pobreza, a tirania, as guerras e porfias de toda ordem?
Como sair desse estado totalmente insuportável? Como os homens podem sair desse círculo vicioso de luta, inimizade, ódio e suspeita? Seria demasiado tarde, para a humanidade, refletir sobre sua miséria, usando a razão para construir um Estado, corpo artificial destinado a garantir o bem-estar e a segurança de todos?
Na “sapata” desta querela, está o homem “massa” envolvido até a goela com a cultura de entretenimento “burlesca”. Homem-massa, pois não percebe que a cultura e as instituições em que vive são realidades precárias. É, portanto, um irresponsável, uma vez que se “acha” um “expertise”. No entanto, é incapaz de enfrentar um problema geral. O homem-massa detesta toda forma de convivência que por si mesma traga o respeito de normas objetivas. Suprimem-se todos os trâmites normativos e se corre diretamente para a imposição daquilo que se deseja. O homem-massa é um novo bárbaro que não se limita considerar-se excelente enquanto é vulgar, mas pretende impor vulgaridade como direito e o direito à vulgaridade, diria José Ortega y Gasset (1883-l955).
Atualmente, o homem se orgulha em “confiar” ou depositar suas esperanças no “outro”. Novidade esta tanto mais clara se considerarmos o fato de que este homem (povo) confia totalmente sua vida ao poder público, ao Estado. Ao mesmo tempo, transfere suas angústias e sofrimentos ao mesmo Estado. Nesse caso, os governantes são o próprio inferno, porquanto, o inferno são os outros!
* Francisco Assis dos Santos é humanista. E-mail: [email protected]