Todos os dias somos bombardeadas pela indústria da beleza. Ela nos dita o que “precisamos” fazer para vestirmos o manequim 36 e nos enquadramos no “padrão Barbie”.
Mulheres devem ser magras, jovens, educadas, gentis e discretas. Cabelo branco, nem pensar! É desleixo. As rugas – expressões do tempo – são inadmissíveis! Compra creminho, aplica botox, faz plástica… A boca é pequena? Preenchimento labial resolve. Um procedimento a mais, um a menos… Que diferença isso faz?
Quem nunca ouviu um “vale tudo para ficar bonita”? Aliás, ser mulher nesse contexto social dói, corta a carne literalmente. O peito é grande? Cirurgia redutiva! É pequeno? Silicone, menina! Aproveita que você já vai estar no centro cirúrgico e aumenta a bunda, lipoaspira a barriga e padroniza a vagina. Não basta ser rosa, o órgão sexual feminino também deve se enquadrar nos padrões.
Não é por acaso que o Brasil lidera o ranking mundial de cirurgias íntimas, como ninfoplastia (procedimento que consiste na redução ou preenchimento dos pequenos lábios vaginais). A prática corresponde a 2% de todas as cirurgias estéticas realizadas no país. As mulheres que se submetem a esse tipo de procedimento alegam que o fazem por motivos funcionais ou estéticos.
De acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps), em 2016, o país registrou mais de 2,5 milhões de intervenções. Dessas, 13 mil foram de ninfoplastia, também conhecida como labioplastia – aumento de 39% em relação ao ano anterior.
Cada vez mais mulheres estão recorrendo a intervenções estéticas e a idade já não é fator predominante. O mercado seduz jovens, adolescentes, senhoritas e senhoras. Todas sob a ditadura do bisturi. A festa de debutantes foi substituída pela possibilidade de implantar um silicone na mama aos 15 anos.
Com o tempo, a percepção distorcida de “defeitos” aumenta e paralelamente se ampliam as transformações. Se o nariz “incomoda”, afina, ué! A panturrilha ela engrossa, mas a boca tem que fechar. Nada de saliência na região abdominal, mulher bonita tem barriga negativa, chapada, não esqueça! Não importa se os biótipos são diferentes. O melhor mesmo é esquecer esse papo de diferenças. Padrão Barbie, tá ligada?
Esse tipo de discurso cruel, reproduzido em excesso pela indústria da beleza por meio da mídia e redes socais, tem levado milhares de mulheres a desenvolver distúrbios alimentares, como a bulimia (transtorno caracterizado por episódios recorrentes de compulsão alimentar seguidos por comportamentos compensatórios como, por exemplo, a provocação de vômito) e a anorexia, quando a vítima possui distúrbio de imagem e não aceita o corpo da forma como é, tendo a impressão de que está com o peso em níveis acima da realidade.
Essa mesma indústria, que impõe o quê e o quanto podemos comer, está nos padronizando e, por fim, nos matando. Vira e mexe, o noticiário relata casos de mulheres que morreram em centros cirúrgicos insalubres. Já as sobreviventes de práticas malsucedidas carregam marcas estéticas e psicológicas, dores na alma.
No Acre, uma menina negra, de classe econômica baixa, perdeu as sobrancelhas e parte do couro cabeludo ao tentar alisar as madeixas. Ela utilizou um ferro de engomar. Pode-se até culpar a vaidade dela, mas proponho ir além e questionar quem introduz isso no imaginário feminino. Ser mulher em uma sociedade com padrões discriminatórios e distorcidos do belo não é fácil; ser mulher negra é ainda mais difícil; ser índia, então, nem se fala, enquanto ser mulher transexual não se reconhece.
Portanto, mães, amigas, irmãs, primas, mulheres, enfim, conversem com quem está do lado. É piegas dizer que a beleza vem da alma, mas é real. Bonito mesmo é ser diferente: gorda, magra, alta, baixa, negra, branca, loira, morena, ruiva, índia… Somos lindas, somos muitas!
Não importa como é o seu corpo, mas como você se trata. Se ame, se curta e, acima de tudo, se respeite. Quer perder uns quilinhos? Tente aderir a uma alimentação saudável e à prática de exercícios. O tamanho do seu lábio não interfere em nada. Ninguém se apaixona por pedaços, é o todo que encanta. Amor advém da essência.
Você não precisa ter seios enormes ou o quadril da Kim Kardashian para ser amada, admirada, respeitada. Transformar o próprio corpo num manequim, numa cópia fiel das “necessidades” da indústria da beleza, é cruel com a nossa existência, com a nossa diversidade.
Não declaro aqui guerra às mulheres que realizaram intervenções cirúrgicas. De forma alguma! O debate não gira em torno de aderir ou não um procedimento estético, mas de se tornar refém disso para ser “aceita”. Afinal, quem você enxerga quando se olha no espelho?
Em tempos de procedimentos estéticos para tudo, aceitar o próprio corpo é um ato revolucionário.
* Maria Meireles é jornalista e feminista. E-mail: [email protected]