Conto logo o que aconteceu depois, que é triste, mas dará mais sentido ao ocorrido. O moço faleceu a seguir, em acidente automobilístico. E o fato comoveu o bairro inteiro, tão querido ele era.
Pronto. Agora vem a parte feliz.
Eu o conhecia desde pequena, da escola. Ele estudava umas três classes adiante da minha. E apenas nos cumprimentávamos.
“Cantávamos e nos olhávamos como crianças
contentes, tantos anos depois, como se enfim
estivéssemos nos apresentando”
Reencontramo-nos depois, aos vinte e tantos anos, numa festa de convivas comuns, do outro lado da cidade. Era um ambiente animado e pacífico, regado a música boa.
Estava tudo tão descontraído que me animei a dançar com alguns amigos, o que não era meu hábito à época – uma das melhores coisas de se ter mais idade e experiência é perder os constrangimentos inúteis.
Ríamos e bailávamos com alegria. Quando vi, no vaivém das pessoas, o tal rapaz estava na minha frente, igualmente solto e amistoso. E aí tocou aquela canção deliciosa, ultradançante, do Tim Maia: “A semana inteira, fiquei esperando, pra te ver sorrindo, pra te ver dançando, quando a gente ama, não pensa em dinheiro, só se quer amar…”
Cantávamos e nos olhávamos como crianças contentes, tantos anos depois, como se enfim estivéssemos nos apresentando. Não havia qualquer clima de sedução, era algo muito desprendido, que apenas celebrava. Ficamos horas dançando, naquela comunhão festiva.
E eu recordo que quando, ao fim da festa, a música parou de tocar, nós nos aproximamos e nos olhamos com satisfação e amizade. Percebemos que tínhamos vivido um momento especial. Então, num abraço nos reverenciamos, sem uma palavra, como se disséssemos, mutuamente:
– Foi bom ter te conhecido melhor.
Desde então, todas as vezes que ouço aquela canção me lembro daquela noite e penso nele com carinho.
Onides Bonaccorsi Queiroz é jornalista, escritora e autora do blog verbodeligacao.wordpress.com
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