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TRAJETÓRIA DO PLANETA TERRA NO ANTROPOCENO

Em um artigo publicado aqui neste jornal em 2015 nós havíamos informado aos leitores que se a história geológica de 4,57 bilhões de anos do planeta terra fosse condensada em 24 horas de um dia, o homem moderno iria surgir apenas quando faltassem três segundos para a meia-noite.

 

Essa nossa curtíssima existência passa a impressão enganosa de que o papel do homem na história do planeta é a de um mero coadjuvante sem maior importância. No entanto, a verdade é que o homem, nesses três segundos de existência geológica, tem influenciado tão profundamente os processos planetários essenciais que uma nova época geológica está sendo proposta para acomodar as profundas mudanças patrocinadas por ele: o Antropoceno ou ‘Época da Humanidade’.

 

O surgimento do Antropoceno substituiu de forma abrupta a época geológica conhecida como Holoceno, um período durante o qual  a agricultura, comunidades sendentárias e, eventualmente, sociedades humanas complexas sob o ponto de vista social e tecnológico se desenvolveram.

 

O reconhecimento de que as atividades humanas hoje rivalizam com as forças geológicas naturais no que toca em influenciar a trajetória do nosso sistema terrestre tem implicações importantes tanto para as ciências que estudam nosso planeta como para as decisões que nossa sociedade venha a tomar em relação ao futuro do mesmo.

 

Embora diferentes sociedades contribuam de forma distinta e desigual para pressões socio-ambientais atuais, tendo por isso capacidade de alterar de forma diferenciada a futura trajetória do nosso planeta, é a soma do total dos impactos humanos independente de região/sociedade que deverá ser levada em conta quando se pretende analisar trajetórias futuras do nosso planeta.

 

Um artigo publicado no dia 14 de agosto na revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America) sob a liderança do pesquisador Will Steffen do Centro de Resiliência de Estocolmo, da Universidade de Estocolmo na Suécia, aborda essas trajetórias tentando responder às seguintes questões:

 

  1. a) Existe um limite suportado por nosso planeta que caso venha a ser cruzado poderia impedir a estabilização da elevação das temperaturas em uma faixa intermediária? Se ele realmente existe, qual seria esse limite?

 

  1. b) Se esse limite for atingido, quais as implicações para o bem estar da sociedade humana? Que ações humanas poderiam criar condições para afastar o planeta desse limiar, mantendo as atuais condições climáticas tipicamente interglaciais que favorecem nossa sobrevivência e desenvolvimento?

 

Os resultados das análises feitas pelos pesquisadores indicam que estamos nos aproximando de um limiar planetário que poderia nos prender em um caminho rápido e contínuo em direção a condições muito mais quentes – o efeito estufa. Este caminho seria propelido por forte e intrínsecas forças biogeofísicas difíceis de serem alteradas por ações humanas. Se esse caminho prevalecer, ele não poderá ser revertido, direcionado ou substancialmente retardado.

 

Embora desconhecido, esse limiar planetário pode estar apenas algumas décadas à frente, caso a temperature global aumente cerca de 2°C acima da verificada no início da era industrial no século XVIII. Os impactos da transformação da terra como uma estufa na sociedade humana provavelmente deverão ser abrangentes, algumas vezes abruptos e sem a menor dúvida, pertubadores.

 

No caso da região amazônica, por exemplo, as mudanças previstas incluem a conversão de grande parte das florestas da região em Savanas (como os cerrados do entorno de Brasília) ou florestas estacionais secas, ou seja, florestas com árvores que perdem as folhas durante uma parte do ano (algo que já vemos no entorno de Rio Branco durante o período mais seco do ano). Esse cenário, entretanto, não é garantido tendo em vista que na medida em que a temperatura aumentar e o período seco se prolongar, a ocorrência de incêndios florestais em larga escala (como os que aconteceram no leste do Acre em 2005 e 2010) poderá resultar em uma mudança ambiental mais rápida e brusca, com consequência sociais e econômicas inimagináveis.

 

Para evitar que atinjamos esse perigoso limiar será necessário criar condições dentro das quais o planeta possa ser estabilizado. E isso somente pode ser atingido e mantido através de um esforço deliberado e coordenado de todas as sociedades do planeta para seguir um caminho que possa estabilizar as condições planetárias, incluindo uma administração cuidadosa de nossa relação com o planeta e reconhecendo que a humanidade é um componente integral e interativo de todo o sistema.

 

As diferentes regiões do nosso planeta não são climaticamente isoladas em função das distâncias geográficas que as separam. Um degelo na Groelândia, por exemplo, pode ter implicações na floresta amazônica, pois ele afeta a circulação termossalina dos oceanos, movida por diferenças de densidade da água devido a variações de temperatura ou salinidade da mesma. Na atualidade a circulação oceânica tem garantido o regime de chuvas que cai na Amazônia. Mas uma mudança nessa circulação poderá ter consequências catastróficas para a região em que vivemos.

 

Assim, temos hoje uma situação em que enfrentamos a necessidade de tomada de decisões e ações críticas que poderão influenciar nosso futuro por séculos e mesmo milênios. Seguir uma trajetória de estabilização das condições ambientais do planeta irá requer, entretanto, uma profunda transformação e uma reorientação fundamental dos valores humanos, equidade, comportamento, instituições, economias e tecnologias.

 

Os autores do estudo concluem que a construção de estratégias de resiliência para nosso planeta deve ter prioridade maior do que tem na atualidade. Embora essas transformações estejam sendo iniciadas em algumas sociedades, todas estão em estágios muito primitivos. É precisso apressar o passo tendo em vista que o limiar a partir do qual as mudanças planetárias serão irreversíveis ainda não foi ultrapassado. Embora a porta que leva ao caminho de um planeta equilibrado ambientalmente ainda esteja aberta, todos os sinais indicam que ela está se fechando rapidamente.

 

Para saber mais: “Trajectories of the Earth System in the Anthropocene”, artigo de Will Steffen e outros, publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America – PNAS, 115(33): 8252-8259, em agosto de 2018.

 

 

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Evandro Ferreira é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazönia (Inpa)-Acre e do Parque Zoobotânico  (PZ) da Universidade Federal do Acre (Ufac).

 

Foster Brown é pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente da Pós-graduação e pesquisador do PZ da Ufac.  Coordenador do Projeto MAP-Resiliência.

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