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Enquanto elas crescem, eu envelheço

Cada vez que acordo mais cedo para passar o café e percebo que os pés delas já apontam fora da mantinha, as crianças crescem. E no momento em que preparo o lanche, que já não pode ser levado na lancheira porque “Quem ainda leva lancheira, mãe?” e me descubro ajuda inútil para a lição de matemática que, no fundo, não sei fazer. Crescem.

E já que doem as costas porque dormi mais do que as oito horas de sempree se durmo menos,apetite e humor dão sinais de cansaço, eu envelheço. E sempre que afasto a embalagem do leitepara focar as letrinhas miúdas e me dou conta de que ainda não domino o exercício de dividir o tempo, cobertor curto. Envelheço.

E seconstroem um argumento que surpreende tamanha a sofisticação, pronto. Crescem. Se escuto de relance uma conversa cuidadosa com os amigos ao telefone, se leio um texto elaborado da escola,se empresto uma roupa que fica melhor nelas. Elas crescem. E se as assisto dançarem, de longe e enxergo ali o poder e a beleza das infinitas possibilidades de uma vida em seu início. Não tem mais volta. Crescem.

E no dia em que a simplicidade passa a comover, envelheço. Quando oencontro comuma amiga cuidadosa faz o dia, quando a leitura ajuda a elaborar, quando amoda começa a perderimportância. Nada pronto, tudo a desconstruir, envelheço. Quando me pego dando um baile diante das impossibilidades, quando vejo beleza nos começos, nos meios e até nos fins. Voltar para quê? Envelheço.

Enquanto envelheço, elas crescem. Avançamos todas.

Fabiano Azevedo: