O grupo andava leve. Dos que apitavam com uma frequência nunca antes vista, era o que ainda provocava algum riso frouxo. Como se esse fosse um outubro qualquer. Como se fosse tempo de rir frouxo. E no riso, quase sempre concordamos todos, certo?
Errado.
Era um alívio. E cheguei até a comentar em casa a alegria de ver a notificação que vinha do tempo do Centro de Artes e Comunicação da Federal de Pernambuco, que trazia consigo meus pés em havaianas, minha saia longa batendo na perna, o estilete cortando o color plus, o cheiro de cola, o barulho de gente – como fazíamos barulho, até quando Fred pedia em uma de suas charmosas apresentações nos corredores do prédio “silêncio profundo, silêncio profundo” –, uma notificação cheia de calor do Recife de minha juventude.
O barulho da gente.
Mas parte de mim, andava também pesada. Aos que frequentavam a alegria momentânea, queria soltar a provocação. Não é um riso qualquer. Não é tempo de ser frouxo. E no desejo de provocar, quase sempre concordamos todos, certo?
Errado.
Era um engano. Pensávamos falar de uma mesma perspectiva, a partir de uma mesma certeza. Foi um poema – um poema – que revelou o abismo. Não éramos mais o grupo afinado dos 20 e poucos anos. E apesar do espanto, penso que toda revelação é valorosa, que todo susto é uma lembrança de que estamos vivos, de que somos muitos. Um poema e apitamos em uníssono com os outros grupos. Com direito a abandono e pedidos de “deixa disso”, “melhor não falar sobre política aqui”, “vamos dar risada”.
O Silêncio da gente.
As piadas voltaram. Voltaram sem o charme de Fred. Não. Quero rir, mesmo hoje, mesmo sempre. Mas não para interditar a minha fala. Quero ser grupo. Mas grupo que suporta a escuta do desafinado. Quero calor, papel, cola e estilete. Quero a despreocupação de tirar as havaianas de casa. Quero o barulho da gente. Quero o silêncio da gente. Mas com poesia. Sem deixa disso. Tá errado.
Roberta D’Albuquerque é psicanalista.
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