Longe ou perto eles são uma lembrança de que não estamos sós. E de que tem muito ar pra respirar nesse mundo.
Dividir o quarto com irmãos é uma chamada para o conflito. Na minha infância reclamei algumas vezes desse destino. Mas apesar de morar em uma casa que tinha um quarto extra, para onde era possível me mudar caso a vontade fosse mesmo verdadeira, nunca fui adiante no plano de ter um espaço só meu.
Porque era à noite, quando me faltava o sono ou quando um pesadelo me despertava que eu encontrava o alívio de estar acompanhada e protegida. O som ritmado do ar que entrava e saia do pulmão de minha irmã me lembrava de que eu não estava sozinha. Já não dividimos o quarto desde o início de nossa adolescência quando passamos a morar em lugares diferentes. Foi preciso abandonar esse código de segurança. Criei outros, ela deve ter criado também.
Nas últimas semanas, tenho pensado em quão preciosos são esses pequenos lembretes. Muito provavelmente porque venho acompanhando de perto os registros do retorno de minha irmã e sua família à cidade onde eles viveram por muitos anos. Vejo com gosto, daqui do Brasil, seus rostinhos contentes, seguros e “em casa” a quilômetros do que foi um dia nossa casa. Em Barcelona, Poly e os seus não são estrangeiros
Quando ela decidiu que mudaria (com marido, filhos pequenos, cachorro, livros e panelas) por tempo indeterminado, não tive a dimensão de quão corajoso era o movimento de abrir mão de boa parte dos seus códigos. A começar pelo mais norteador deles: a língua.
Talvez, eu tenha demorado a me dar conta porque a firmeza de minha irmã é uma constante. Talvez porque eles levavam na mala um projeto muito desejado. E estavam juntos – acordados ou dormindo. O fato é que não tiveram medo de reaprender, tiveram os quatro disposição e força para recomeçar.
Aos D’Albuquerque Bahia registro minha admiração. Ter coragem para andar para onde aponta o desejo não é pouca coisa. Ensinar os filhos a seguir esse caminho é ainda mais precioso. À minha irmã registro meu agradecimento, não há geografia capaz de me fazer esquecer o conforto do quarto de nossa infância. E um lembrete: você tem mais fôlego do que imagina.
Roberta D’Albuquerque é psicanalista.
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