Saiu a lista dos melhores filmes do ano da New Yorker. Não sei como você processam esse tipo de notícias, eu funciono no modo competição/comparação. Passo 1: comparo meu ranking ao da publicação com críticas, interjeições e alguns “que absurdo!”, “nada a ver!”, “sem dúvidas!”. Passo 2: lamento os filmes não vistos e agendo para logo, loguíssimo essa correção. Qualquer lista.
Embora não me considere uma especialista – longe disse – costumo deixar passar poucos títulos. Esse ano, no entanto, fiquei surpresa ao constatar que, da lista, vi menos da metade dos títulos. ¿Qué pasa?
As narrativas de ficção me acompanharam de perto o ano inteiro. Pensei em personagens durante os intervalos da clínica, no banho, antes de dormir. Estive acompanhada por tanta gente que não conheço, ora com medo, ora com ternura, sempre com esperança, tocada por uma fala, um desejo de que Fulano conseguisse o que queria, de que Beltrano chegasse a tal lugar, de que quem quer que seja recebesse a resposta que esperava.
Em 2018, foram os livros e não o cinema, que encontraram, em mim, espaço para esse outro sem cpf. O outro real, de carne e osso, tem cadeira cativa no consultório, nas relações, na vida mesmo. O Outro, assim mesmo com maiúscula, esse é conversa para um próximo (próximos) texto.
Ainda sobre esse espaço que reservamos para que outras histórias nos toquem, penso que ele tem capacidade elástica. Mas há de esticar, deixar crescer, antes que a borracha endureça. Há de fazer um esforço. A vida – real e psíquica (como se as duas não fossem a mesma coisa) – pode ser danada de grande, pode ser rica. E pode ser também uma kitnet miúda e mal cuidada.
O cinema, a literatura, a música, a arte são esticadores de vida, são a mega sena da virada que pode premiar todo mundo que fizer a sua aposta. A gente já sabe. Desejo para mim e para vocês esse prêmio delícia cada vez mais presente no próximo ano. É um exercício, o espaço para o outro sem cpf cresce na mesma proporção do espaço para o outro real. Merecemos todos mansões internas, com piscinas e festas cheia de gente. Bora?
ps: vou adorar ler as listas dos melhores do ano de vocês. Mandem no e-mail ([email protected]).
Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quem manda aqui sou eu – Verdades inconfessàveis sobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…
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