Estar suspenso é condição para se cair. Penso nesse risco, por exemplo, toda vez que viajo de avião.
Sem pânico ou morbidez. É com reverência que me convido a me reconciliar com a condição de efemeridade que calça esta vida. Parece-me natural e saudável lembrar-me de levar em conta tal possibilidade: a de ter de partir agora.
A bordo de meu exercício, antes penso em meu filho, ramada do meu galho, e o abençoo. Somando o que lhe ofereci com o que a vida lhe deu, trago no coração a confiança de que ele já tem tudo o que precisa para viver de forma digna e grata. Saldo dos mais confortantes.
Alegra-me poder ter nutrido, ao longo da jornada, tantos afetos, entre familiares, parceiros sentimentais, amigos preciosíssimos, mestres espirituais e artistas cuja obra me tocou. Eles me ampararam e me promoveram como ser humano.
Por falar em humanidade, terei amado o quanto podia? Terei oferecido e solicitado os perdões necessários? Terei semeado boas influências num mundo tão maltratado? Terei aproveitado de peito aberto as oportunidades que me foram dadas?
“Por falar em humanidade, terei amado o quanto podia?”
Avalio, ainda, questões prosaicas. Que, apesar de corriqueiras, não são menos significativas, pois remetem a uma chave-mestra da vida e também um alicerce da leveza: a responsabilidade. Minhas contas estão em dia? As questões burocráticas que me dizem respeito se encontram bem encaminhadas? Deixo problemas para os outros resolverem?
Tal balanço, de natureza tão imaginária quanto real, me dá as orientações de que preciso para tornar minha vida melhor. Porque a perspectiva da morte próxima é excelente conselheira.
Embora, honestamente, eu acredite que, para a maior parte das pessoas, a hora da retirada seja bem mais árdua do que se suponha. O que apenas ratifica a pertinência desse treino eventual, como guarida para um futuro que é certo.
Por isso, assim que embarco no pássaro metálico, ou sempre que constato a fragilidade da vida, refaço esses cálculos. É meu modo de ir me preparando para zarpar deste mundo com serenidade.
Onides Bonaccorsi Queiroz é jornalista, escritora e autora do blog verbodeligacao.wordpress.com
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