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Quem vai pegar as chaves dos povos indígenas do Acre?

Após 20 anos de diálogo direto entre governo e movimentos indígenas, a nova gestão Estadual parece ter deixado de lado os povos tradicionais do Acre. Começando pela estrutura administrativa, não há qualquer menção de um setor específico para ouvir as demandas dos povos indígenas, nem mesmo uma pessoa nomeada para conversar sobre os tantos projetos que já estão em andamento.

O constrangimento para com os povos indígenas chegou ao ponto de ninguém do novo governo receber as chaves do espaço onde funcionava a Assessoria Indígena, na Casa dos Povos Indígenas, em Rio Branco. Uma nova tentativa de reunião foi feita nesta quarta-feira, 2, para que fossem entregues as chaves e assim iniciar um caminho de diálogo, o resultado foi o mesmo, nada.

Em suas páginas do Facebook, as lideranças Yaka Shawandawa, conhecida também como Francisca Arara, e TashkaPeshaho Yawanawa questionaram a atitude do governador Gladson Cameli. “Cadê o respeito com os 16 povos indígenas do estado do Acre. Ou querem escravizar os povos indígenas como seus antepassados [fizeram]”, escreveu Yaka.

Já Tashka questionou a relação do governo de Gladson com o cenário nacional: “Ou você quer impor aqui no Acre o bolsonarismo dos ruralistas e evangélicos, que fatiaram a Funai e estão promovendo o retrocesso na política indigenista brasileiro?”. Um conjunto de chaves a serem entregues é símbolo do sentimento que estes dois governos estão demonstrando com os povos originários, renegar seus direitos e atacar seus territórios.

No Acre, depois dos massacres contra os povos no início do século passado, os indígenas passaram a se reestruturar e serem reconhecidos na década de 1980, passando a fazer parte integral do governo do Estado a partir de 1999, com a vitória da Frente Popular. Avanços foram feitos, investimentos na valorização cultural, produção sustentável, educação e organização social sempre foram realizados.

Foram mais de R$ 61,4 milhões investidos em diversas atividades dentro das terras indígenas entre 2011 e 2017, uma política pública de valorização, diálogo e reconhecimento. O governador Tião Viana deixou ainda mais de R$ 34,6 milhões para serem investidos, por isso tão importante a permanência do diálogo com os movimentos que trazem a demanda das mais de 30 terras indígenas.

A liderança Ashaninka, Francisco Piyãko, ressalta que o cenário nacional é extremamente alarmante, dado que em suas primeiras 24h, o presidente Bolsonaro decidiu desmontar o sistema administrativo para a questão indígena. “Os dois governos aparentar estar alinhados, assim como durante a campanha, assumem que não têm nenhum compromisso com a agenda indígena”, afirma.

Em apenas 24h, um dia e uma noite, Bolsonaro decidiu que política indígena não garantia do seu território, não é garantia do que eles decidem fazer com suas terras. Em uma canetada, ele delegou ao Ministério da Agricultura a função de identificar e demarcar as terras indígenas do país. A pasta agora é gerida por Tereza Cristina da Costa (DEM), até então líder da bancada do agronegócio na Câmara, grupo que sonhava em estar no controle das terras brasileiras, afinal, agora podem validar todas as invasões de territórios que os ruralistas fazem em todo o Brasil.

No Acre, quem irá dialogar com os povos originários? Quem irá apoiar o trabalho de Agentes Agroflorestais, professores e povos que fortalecem a cultura em festivais? Os dois governos, Federal e Estadual, são dois lados da mesma moeda, uma elite que não dá espaço pra representatividade brasileira.

Arison Jardim é jornalista socioambiental

Fabiano Azevedo: