É oportuno misturar fatos quadrados a personagens redondos. Há os que gostariam de uma análise, aqui, a respeito do fenômeno que representam as academias de ginástica e as suas relações com a modernidade. Há outros que cogitam a possibilidade de um comentário acerca das complicações posturais que surgem a partir de exercícios executados mais a torto que a direito. Todavia, como cronista deste chão batido, observo tudo com olhos de um hipopótamo vesgo que escondem por trás de si lampejos de uma crítica invariavelmente caótica.
Estou convicto, enfim. A vaidade é a base de tudo nesta joça de mundo. Ou somos vaidosos, ou não somos ninguém. O que interessa, hoje, é aparecer bem na foto. E há adereços, adornos e enfeites de todos os tipos. Vai-se de uma tatuagem na bunda siliconada, ou de um piercing nos grandes lábios, a uma roupa da melhor grife, ou a um carrão importado direto da Bolívia, não se sabe lá por quais meios lícitos ou ilícitos.
– Cheguei à boate Diesel, fui friamente calculada dos pés à cabeça pelos olhos mais cobiçosos dos rapazes a desejarem o meu rabo de sereia. Fui invejada pelas moças mais fúteis das faculdades tais. Abalei Bangu e adjacências. Tomei todas e sou feliz, apesar da ressaca que me come o espírito por haver comprado toda a minha indumentária, fiado, em boutique qualquer. – Eis um depoimento colhido por este observador.
Ela tem certeza de que faz o que faz porque é inteligente, o que a torna um poço de vaidades. Se, com a alma, que ninguém vê, acontece esse intrincado jogo de tira e bota; com o corpo, que muitos admiram e até sentem pelo tato, tudo é muito mais real, posto que visível e palpável.
Além de autoconfiantes e empavonados, todos nós nos esforçamos muito, a fim de nos tornarmos bonitos, de cara e de corpo, muitas vezes, infelizmente, não para nós mesmos. E é aí que mora o perigo de se gastar o que não se tem, ou de se tornar impermeável feito estátuas infladas por incontáveis botox.
Existe uma onda por aí que afirma que as mulheres se enfeitam não para os homens, mas para as outras mulheres, talvez suas rivais, que se matam de inveja umas às outras, simplesmente, porque o seu tubinho é brilhoso e o da vítima, não.
Assim como corre também por aí que uma mulher, em trinta segundos, na entrada de um baile, por exemplo, já vê trinta vestidos diferentes nas cores e nos realces. Enquanto um homem, de chegada ao mesmo evento, passa dois minutos mirando apenas uma única bunda, até que a amante de plantão o faz acordar do transe com uma boa dose de uísque que encharca a cara do salafrário. Bem feito.
Esta academia demais é como as suas congêneres. Há umas moças mui belas, outras talvez. Há aquelas que, por pura cortesia, cumprimentam a todos. Outras, as mais bonitas, empinam o nariz e sequer olham para algumas almas sequiosas. (Eu, cá de minha parte, nunca fui a favor de mulher bonita que anda falando com qualquer borra botas. Elas devem ser metidas mesmo).
Há uns rapazes raquíticos, enfim chegados aos dezesseis, mas com uma louca vontade de parecerem ter trinta anos. Essa é a classe dos sabiás, devido lhes serem finos os membros inferiores. Alguns dessa categoria tomam uns tais remédios que os veterinários usam para fazer cavalo brochar, mesmo diante das melhores mulas.
Há outros que têm pernas também atrofiadas e tórax iguais ao do Schwarzenegger. Esses são os gorilas espadaúdos e com cara de poucos amigos, a respeito de quem é melhor não fazer comentários mais detalhados, por uma questão de respeito que eles impõem na força bruta que os faz esturrar debaixo de anilhas que vão a duzentos quilos ou algo mais.
Pior é ver que, dentre os gorilas, existe uma parte significativa que, por mais que o treinador lhes fale sobre a necessidade de exercitar as pernas, eles nem ligam.
– Rapazes! As mulheres não gostam de braços grossos, nem de ombros imensos. Elas gostam mesmo é de pernas bem torneadas, instrumentos firmes e bumbuns arrebitados. – Era o que falava ontem, em alto e bom som, a professora bacaninha, psicóloga e maníaca sexual de uma academia periférica.
Dos tantos anos que tenho, metade deles vivi, praticamente, dentro de uma academia. Foi aquela moça, a Penélope Distraída, à época apenas uma dama de honra, quem me inseriu entre os cultores do corpo. Achou-me as pernas finas, os bíceps tenros, a bunda não dava um pastel, os ombros se encolhiam, dentre outros defeitos anatômicos apontados.
A partir daí, passei também a professar culto aos músculos, essa minha segunda igreja pequenina em frente da qual me posto, espada em punho, vaidoso, como todos, querendo achar beleza nas tantas vezes em que olho nos espelhos incrivelmente grudados em todas as paredes desta alma orgulhosa.
Sobre os espelhos, é preciso também observar que, nas academias, são como mares insondáveis a esconderem nas suas profundezas tanta vaidade e tanta beleza que os outros não veem, mas a vítima sente.
Lembro um sábio destes mais velhos, de sessenta e lá vai pancada, e brincalhão demais. Foi ele quem disse que os mais novos vêm para a academia para ficar mais bonitos. Os de certa idade, ao contrário, vêm exercitar-se para que, assim procedendo, possam morrer um pouco depois, ou mais tarde, quem sabe, com uns quinze anos de lambuja.
O arrojado nordestino é um outro analista de respeito. Foi ele o autor de uma das melhores tiradas por mim já ouvidas, enquanto descanso desse serviço pesado, que nós pagamos a bom preço, para que o capitalista nos deixe fazer força, até nos esbaforirmos em suores e desejos recônditos de nos tornarmos mais moços a qualquer hora da noite dos nossos sonhos juvenis.
– Professor, preste atenção! – Disse ele. – As mulheres só vêm para a academia depois que os maridos as deixam. Aí, a coisa já está quase na casa do sem-jeito. Às vezes, nem a faca do Pitangui será a solução. E nós, homens, só vimos pra cá quando as nossas mulheres já dobraram o cabo da boa esperança. Mas aí tem jeito. Hoje, seu moço, um bom punhado de dólares resolve até problema de virilidade.
Ao que eu respondi:
– Doutor! Os mesmos dólares, se gastos pelas mulheres, também podem comprar tanquinhos novinhos em folha, como foram os nossos abdomens antigamente. Ora pois!
O mundo, felizmente, carece de filosofia, mesmo que seja tão tosca quanto esses arrotos de sapiência. Mas é preciso pontuar que a vaidade e o orgulho são coisas diferentes, embora as palavras sejam frequentemente usadas como sinônimas. Uma pessoa pode ser orgulhosa sem ser vaidosa. O orgulho se relaciona mais com a opinião que temos de nós mesmos, e a vaidade, com o que desejaríamos que os outros pensassem de nós. Ali está o espelho.
Infelizmente, linhas tortas como estas são lidas por muitos, mas compreendidas por poucos. Afinal, estes tais que, como eu, frequentam as academias de malhação, não o fazem com a finalidade de exercitar a inteligência parca, mas para definir o futuro das rugas que um dia substituirão bíceps e glúteos hoje tão volumosos e saudáveis.