O menino e agora moço foi passando pela vida afora ouvindo muito e aprendendo bastante. No cumprimento de um desiderato natural, que lhe veio impregnado na índole, foi acontecendo e vivendo todo o seu tempo a observar, sempre. No jogo do bicho, ou no grande concerto da natureza, seria talvez do signo da coruja, cujo observatório é montado entre as folhagens das árvores mais altas.
Não se fez fugitivo, mas foi acossado da sua cidade natal, sim. Já não mais havia tanto o que sonhar e muito menos o que observar, e as necessidades prementes por um maior estímulo à formação das crias fizeram com que os pais se transferissem para um centro de oportunidades maiores, onde o menino pudesse montar o seu posto de observação dos fatos que dissessem respeito não apenas aos sucessos e dramas da vida alheia. Era preciso vislumbrar outras clareiras e, com todas as bênçãos, os bons tempos houveram por bem chegar e têm durado pela vida inteira. Por Deus.
Muitas histórias foram ouvidas e anotadas no caderninho roto sempre escondido por trás das orelhas limpas e com mania de grandeza.
Arranjou amizade ímpar com um desses galanteadores natos da província, agora cidade adotada, que a ele ofereceu oportunidades de todos os tipos.
Ainda ali pertinho da pós-adolescência, e já bem instalado na vida, uma vez que houvera sido aprovado em concurso público para barnabé de alguma relevância nacional, começou a usufruir das coisas boas a ele transmitidas por um homem de oitenta anos, dentre outros, que lhe passou a dar as melhores pistas para a convivência digna em meio às castas sociais mais apuradas deste rincão amado e idolatrado.
O velho pintor modernista era ainda escriba e bon vivant, além de haver passeado com garbo pelo ofício de assessor dos maiorais da vida pública. Portava bengala elegante e quase fazia morada na redação de um jornal. Os textos já vinham escritos de casa e boa parte do tempo, à tardinha, ele passava fazendo digressões, às vezes muito espirituosas, para uma plateia de neófitos e estreantes desta vida boêmia ainda ocupada por afazeres que lhes davam numerário e apoio aos sobrevoos e rasantes cotidianas, ao meio-dia ou no decurso de uma alta madrugada.
Em algumas ocasiões, o mestre bacana dava ênfase especial à existência das mulheres mais bonitas do mundo, exatamente, aquelas que lhe estiveram ao alcance das mãos sempre ávidas e cobiçosas, apesar do crepúsculo e dos cabelos brancos.
Segundo ele, algumas dentre as moças mais belas do mundo viviam na sua rua, no seu planeta, ou nas adjacências deste. Probleminha saudável para os afoitos é que muitas acabam sendo esquecidas, justamente, porque a maioria dos homens não tem confiança para uma investida mais solene, como ainda hoje ocorre a um palmo dos narizes mais arredios de que se tem notícia na globosfera.
Contando com olhos verdes penetrantes, ele se dizia o tal, mesmo em alta idade, e afirmava que as mulheres bonitas não são tão difíceis como a maioria dos homens imagina; muito pelo contrário.
Em termos metodológicos, conforme o velho mestre pintor, é preciso a autoconfiança e, a depender de um certo grau de inteligência e alguma elegância, as investidas podem tornar-se até bem fáceis, uma vez que as mais belas têm consciência da sua beleza e não é preciso ficar ecoando referência tão à vista.
– Ora, se o sujeito não tem confiança para dirigir-se a uma moça bonita, vai findar fazendo opção pela menos bela, ou ainda pela outra, por uma questão de garantia, o que o leva a esquecer a que encanta os olhos de todos. E isto não é bom para a beldade, que se vê no escanteio pelo simples fato de ser mais bonita. – Palavras do nosso herói em jalecos brancos.
E ele arrematava:
– É nesse momento que o homem de visão vislumbra a sua chance. A coragem o diferencia dos demais que veem as suas possibilidades diminuídas.
Em outros dias, parece-me que lidas no almanaque capivarol, as dicas eram ainda mais pedagógicas e minuciosas.
– Eu nunca elogiei a beleza da Marlene Dietrich, uma diva da minha época assim apelidada por mim pelo fato de transportar uns seios pontiagudos em sutiãs de boa qualidade e um par de rabo descomunal e bem durinho. Ela sabia que era um deslumbre e não aguentava mais ser paparicada a partir dos seus atributos físicos. Eu fazia de conta que não os notava e um dia as coisas aconteceram. Rolou sentimento mesmo, apesar da minha fórmula registrada do ficar por ficar, e só. Mas passou. Curei.
Uma porcentagem enorme de homens, inclusive alguns bem inteligentes, comete erros terríveis e até gagueja e se encolhe todo, uma vez que ficam intimidados pela beleza da musa. Não ficam à vontade e não confiam no próprio taco que se acredita não ser de maçaranduba, claro. É necessário agir com tranquilidade. É conveniente demonstrar domínio de palco, sentir-se o senhor da situação, ter personalidade e coragem.
É claro que a leitura de boas obras é imprescindível. O poeta Juvenal Antunes dizia que as mulheres inteligentes apreciam de longe o sujeito garboso, que se posta em qualquer praça a ler livros que tenham alguma qualidade. Algumas passam até bem pertinho para conferir o título e o autor. Por isso, não interessa falar de futebol, nem de religião. Converse sobre hábitos cavalheirescos, como a delícia que é ver o sorriso de uma mulher ao receber flores. Comente sobre a moda masculina e o estilo homem alfa tão em voga no mundo atual. Aborde as viagens a paraísos distantes que ela um dia poderá conhecer muito provavelmente até na sua companhia. Seja inteligente, enfim.
Poucos observam que, se o candidato pouco competente usar aquele olhar tímido e medroso, vai, muito provavelmente, decepcionar a musa que apreciaria por certo um atrevimento comedido, mais firmeza, mais olho no olho. Impressione-a com uma imagem favorável que ficará gravada na mente dela. Não se curve e lembre-se que o corcunda de Notre Dame não passou daquela sua aventurazinha idiota.
Segundo anotou o mestre pintor modernista, Garibaldi Brasil, as mulheres de alta categoria estão cansadas dos sujeitos que se atiram aos seus pés. Será sempre oportuno agir com normalidade, afinal, agora, você já está se acostumando a lidar com moças bem afeiçoadas.
Alguns meses depois, na vida pública e no contexto privado, muita coisa foi mudando para melhor na vida do aprendiz de aventureiro. Fizeram diferença a aquisição de um carro novo, roupas e sapatos de qualidade, perfumes importados, um trato mensal e especializado no cabelo ruim, e as visitas à dermatologista.
Em uma dessas sextas-feiras pós banho noturno, quando tudo levava a uma renomada casa de dança, a mãe do rapazola usou e abusou da filosofia doméstica, e deixou registrado com marca d’água uma assertiva clássica que se tornou clichê. Diga-me com quem andas e eu direi o que se passa nessa sua cabeça cheia de detalhes libidinosos e sórdidos.
Realmente, elas não exigem tanto dos homens, mas também não são imbecis de forma a se fazer acompanhar de um borra botas qualquer.
Eis aí, então, pronto e bem delineado, talvez o melhor dentre todos os aprendizes dos velhos mestres boêmios e galanteadores.
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*Escritor. Membro da Academia Acreana de Letras, Cadeira 27. Autor de O INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE, romance, à venda pelo https://www.facebook.com/claudio.porfiro >