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As nossas são as mais belas

Sequer acordei e percebi que, ao meu lado, dormia a Mônica Mardelli, misto de mulher e deusa. Um deslumbre. Mais tarde, ainda em sono profundo, liguei o televisor e lá ela estava, novamente. Cá com os botões enferrujados, sigo a pensar que o meu sonho de consumo está para mim assim do tipo o meu vício é você, meu cigarro é você, eu te bebo, eu te fumo…

Despertei, enfim.

Agora, de costas para a grande avenida, lançava olhares furtivos para uma loura estonteante que pousara, por acaso, levemente, feito o avião do Papa, ao cair da tarde, em uma mesa do restô, onde estavam mais outras quatro moças muito fortes de feições. Por todos os anjos e demônios, um colosso!

Entrementes, o apreciado e aclamado poeta e vilão conversava consigo mesmo e bebericava um chopinho ao sabor de camarões mexidos e uma paisagem femininamente humana de tirar o fôlego. Coisa da natureza divina. Como dizia o Astrogildo Berimbau, o do outro mundo, se Deus fez algo mais luminoso e tão incandescente e apaixonante quanto a mulher, deve ter escondido no último armário do céu para deleite apenas d’Ele mesmo. Nada no concerto do universo é tão encantador e enternecedor quanto essas divas representantes do belo sexo. Um primor da Criação.

Para a cidade distante, viajara ele a serviço. Era sábado. Os olhos esbugalhados vislumbravam beldades saídas não se sabe lá de quais dos contos eróticos do Henry Miller ou da Marayat Rollet Adriane. Ele estava na hora certa e em um certo lugar benfazejo. Alvíssaras!

Pois bem.

Um dia, a mim disse o bon vivant em causa, ter observado, desde algum tempo, que, em certas cidades, sente-se, já, um certo cheiro de mulher bonita na atmosfera leve e profana, que nos deixa a respiração ofegante, quase em êxtase, a partir do exato momento em que o avião toca o solo do lugar. Os homens mais sensíveis, como ele, segundo ele próprio, sorvem a energia que vibra e se mistura ao barulho das rodas no asfalto e à desaceleração do aparelho.

Dentre outras tantas cidades brasileiras onde tal fenômeno ocorre, convém lembrar a experiência última que ele viveu em Goiânia, num sábado deste março à tarde. Meu Deus!

Segundo narra o nosso impudico vate, Rio Branco tem, certamente, uma grande porcentagem de moças com um padrão de beleza acima do comum. Belo Horizonte e Campo Grande também, além de Porto Alegre, Curitiba e Florianópolis. Graciosas ao extremo. Todavia, a mistura e o molejo das cariocas é que fazem a diferença de um povo que é miscigenado por todos os tipos humanos vindos dos mais diferentes recantos do Brasil e do mundo. Lembrando ainda, é claro, o florido que é a boêmia Vila Madalena noturna, em Sampa, onde saltitam divas e ninfas de sobeja elegância. Este é o Brasil. Coisa de Deus tanta belezura!

A ele, então, apareceu um moço meio adocicado e um tanto maricas a fazer observações pertinentes a algumas nuances estéticas ditas desabonadoras do corpo de certas mulheres, como as tais celulites. O bardo ficou deveras encabulado e observou, olhando para dentro de si próprio, que jamais havia dado atenção a estes detalhes perceptíveis aos olhos apurados apenas de gente que não gosta de mulher.

Foi aí que ele largou conceitos aos quatro ventos do destino.

– Homem que é homem não olha pra estrias; só as mulheres olham. Machos verdadeiros não gostam do periférico; eles gostam do geralzão, incluindo a alma encantadora da maioria das representantes do belo sexo. Pronto. Falei e tá falado!

Eu o conheço e afirmo não ser ele do tipo que pede desculpas às feias. Elas podem também ser geniais, dependendo do trato masculino para com alma tão cândida. São louváveis as mais belas, sim, porque também elas enchem de júbilo a alma poética, enternecida e sacana, ao mesmo tempo e em todos os tempos verbais.

Então, de passagem por umas dessas castas casas de massagem, ou antros de safadagem e devassidão, na Gamboa, Rio, depois de ingerir doses exageradas de um uísque talvez legítimo, plantou as vistas cansadas nas ancas de uma cabrocha que encantava os transeuntes do Trapiche, àquela hora da noite alta. Ela foi e voltou. E foi mais uma vez e voltou mais outra vez.

Ao fim e ao cabo de um pivô – aquela volta de trezentos e sessenta graus que as modelos dão – a encantadora mulata de metro e setenta, mais ou menos, chegou bem próximo da santa pessoa do poeta ligeiramente etilizado e cochichou ao pé daquele ouvido casto:

– Diz aí, bacana! Gostaste da marrom aqui, hein? Eu juro pra mim mesmo que abalei as tuas estruturas.

Ele não se fez de rogado e foi respondendo:

– Já da entrada no clube, eu colei as vistas no teu salto e na tua pessoa maravilhosa. Passamos rapidamente pelos desvãos do monumento, que é você, e colamos nos teus olhos, estes, que são exatamente as janelas da alma. Ao cruzarem com os meus, os teus brilharam intensamente. Foi aí que rememorei o poeta bêbado que um dia disse a mim que os olhos de uma mulher brilham quando esta percebe que você a está achando gostosa.

Engataram eles, assim, um longo relacionamento que durou pouco mais de três semanas. Mas foi lindo, com direito a flores, joias de certo preço e muito samba, como ele gosta.

Deixando de lado o que dizem os teóricos de plantão, o poeta atônito e fugaz afirma, em alto e bom som, aos quatro cantos do planeta, que entender o desejo de uma mulher torna-se metafísica inútil para um homem que não sabe pedir licença. Em outras palavras, se o camarada não tem traquejo, deve deixar que a corte seja feita por aqueles que o sabem.

E não é preciso estudo nem ciência. São necessárias a sensibilidade e a educação de homens que são paridos e criados por mulheres de verdade, que ensinam as suas crias masculinas a gostarem das mulheres pelo que realmente elas são, às vezes nos seus estados agudos, às vezes – e na superior maioria das vezes – lânguidas e lindas e suaves e perfumadas e cheias de amor para dar e jamais para vender a homens rudes que não percebem que, além do interior, há o algo mais que se torna preponderante, como flores, joias de luxo, roupas finas e sapatos de grife, além de outros mimos de certo preço. Certamente, não é só o exterior de uma mulher que interessa. Afinal, a lingerie também é importante. Uma loucura dentre tantas. Ufa!

Um dia, então, conversando com um certo escritor português, a mim disse ele que se entende sempre melhor com as mulheres do que com os homens. Segundo o luso, a conversa é sempre mais solta, mais descontraída. Como ele, eu também acho que a relação com as mulheres é mais direta e, na maioria das vezes, até muito e muito prazerosa.

Faço minhas as palavras do Saramago.

 

CLÁUDIO MOTTA-PORFIRO

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