É tirar o véu, é extrair a venda dos olhos, é frustração, é sair da fantasia e do irreal para um estado de realidade nua e crua. Em tempos sórdidos e mecânicos da “vida perfeita”, nos debatemos, vez ou outra, com a face da verdade. Fala-se em épocas de despertar, e a desilusão é um aspecto presente e importante do processo. Tiram-se as máscaras, ou melhor, estas caem sem muito esforço, meio que como um solavanco do Criador para o tão falado emergir da “escuridão”.
Porém, em infinitos entendimentos sobre essa questão, seja de cunho intelectual, espiritual ou mesmo da vida prática, há uma particularidade que me acomete: como é ruim “despir-se” das nossas mais bem intencionadas referências de verdades, essas que nós mesmos colocamos no nosso “altar” particular. Nesse tom de melancolia, ouço um álbum do nosso super Vinícius de Moraes com Toquinho, datado de 1980, no qual a poesia cantada me sugere o drama do momento da desilusão.
“E eu que andava nessa escuridão, de repente foi me acontecer. Me roubou o sono e a solidão, me mostrou o que eu temia ver. Sem pedir licença nem perdão, veio louca para me enlouquecer. Vou dormir querendo despertar…”
Na música “Escravo de alegria”, eu me encontro cara a cara com a sensação do que é enxergar a mesma coisa de outra maneira. Como não vi antes? Quais vendas nos olhos usava? Sempre foi assim ou passei a ver, de fato, agora? Esses e outros tantos questionamentos surgem em meio a turbilhões de pensamentos e culpas, processo duro e doloroso e que nos dá muito medo, medo de enlouquecer… Como que numa sensação de “Minha luz apagou”, parafraseando outro título do mesmo álbum musical, vejo-me buscando alguma boia de salvação, em períodos de maremotos.
Trata-se do despertar maduro, da passagem da fase ingênua que se foi para dar lugar à genuína capacidade de ser e ver de forma mais clara e autêntica. A decepção nos acomete de um mal súbito de desconstruir algo ou alguém ao qual idealizávamos. Desapontar-se e se ver em meio a desenganos é um ato de corte de bisturi na historinha que queremos acreditar e contar para as pessoas. Qual é hoje o seu nível de desilusão? Como você está lidando com a decepção? “Quem na dor de um sofrer, desencontros viveu…”.
*Marcela Mastrangelo é socióloga, coach e terapeuta.
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