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Body pump, silicones e afins

Menina meiga, doce e bela, no seu passinho curto de princesa, desfila pela academia para cá e para lá, nos intervalos dos exercícios de musculação, ou antes do elíptico, da seção de bike ou da aula de body pump. Durante toda a tarde, ao seu lado, segue dama de honra com a garrafinha d’água da cor rosa bebê. A acompanhante, faceira e entusiasmada, é do tipo de atleta que malha mais a língua que os demais músculos. Uma observa e fala, mas fala muito. Parece até que bebeu água de chocalho antes de sair de casa. A outra anota tudo num caderninho escondido entre a orelha e o brinco de jade. O lápis é uma varinha de condão. Uma fadinha nos seus silicones protuberantes e lindos.

São vizinhas e residem em Hanôver, a capital da Baixa Saxônia. A cidade conta com umas quatrocentas academias para uma população de quinhentas e vinte mil almas obesas na sua maioria, posto que ricas. Toda a Alemanha está apinhada desses institutos repletos de espelhos tais e quais lagoas sagradas onde narcisos e narcisas vão mirar bíceps e bundas. Tão trivial.

São muitos os itens anotados no caderninho mágico. Os olhos de garça da dama de companhia nada deixam escapar. É tiro e queda. Pá-bufo!

Tudo, em síntese, é um mega reality show, como está gravado nos melhores momentos da partida de todos os dias de oito anos corridos.

Personagens indeléveis são os aqui denominados agentes da estética ideal. (No Reino Unido, chamados personal trainers.) São ranzinzas enquanto podem. Esses moços e moças se tornaram os detentores das super fórmulas, que transportam todos, urgentemente, para o refúgio sagrado da silhueta pós-moderna. São real e exaustivamente cuidadosos. Ganham cinquenta euros por cada seção diária e atendem a uma revoada de nobres e demais viventes de selecionada estirpe. Coisa fina.

Escapa às vistas, mas não consegue se esquivar do caderninho mágico. Parece bruxaria. Eis que passa ao largo um moço esbelto em cabelos eternamente escovados, talvez engomados. Dependendo do dia da semana, o gajo impávido colosso pode atender pelos epítetos de Vida Mansa, Vida Leve ou Vida Boa. Descolado é adjetivo fraco para os substantivos e a ginga do moço. É craque de bola e campeão na elaboração de shots e caipirinhas pelo mundo afora. Fez estágio em pubs de Amsterdã, chacoalhou coqueteleiras de ouro, mas aprendeu tudo mesmo foi no Morro do Pavãozinho, Rio de Janeiro. Ainda hoje se delicia ao recordar o dia em que, ao lado da bela namorada e do poeta Heinrich Heine, perfez uma jornada de treze horas entre cervejas e caldinhos de feijão. Pense numa farra assim do estilo Long Day’s Journey into Night, o filme de Bi Gan.

Duas da tarde e o calor do verão deixa a todos afogueados. Uma dama em idade dourada se faz acompanhar da sua agente da estética ideal em exercício de panturrilhas. Ali por perto passa a cliente do horário anterior. A data celebra oValentine’s Day. E o diálogo se faz ameno, digno de Shakespeare em Rei Lear:

– Já fez os dez minutos de bike bem direitinho? Agora, pode ir. Mas não vá comer porcaria hoje à noite, viu. Cuidado com a tentações do dia dos namorados. – Diz a agente. Ao que a dama em idade dourada arremata:

– Não vá comer, principalmente, aquele seu namoradinho insólito. Carinha sem sal e sem pimenta. Aqui pra nós. Como é que pode? Difícil, oh!

Uma das musas da musculação planeja fundar um cardume no WhatsApp exclusivo para os atletas e fisiculturistas que enchem a cara no final de semana. Ela própria entorna o caldo. O poeta rabugento toma todas e sorve através do algodão. O Vida Mansa faz chover. A Superatleta sai debaixo. São muitos os participantes destes esportes radicais em mesas de bares. A gerente geral do grupo já pespegou um nome incrível. Chamar-se-á Grupo Repondo Carboidratos. Não é fofo?

E a administradora viajou para passar treze dias em Sankt Peter-Ording, no litoral norte alemão. No dia da viagem, como numa despedida entre mãe e filha, com os olhos rasos d’água, ela fitou as retinas de uma moça conhecida comoSuperatleta e fez ecoar as frases mais lindas que o poeta esdrúxulo já ouviu:

– Ore por mim, irmã. Eu vou passar quinze dias na cachaça e devo voltar balofa.

Exagero puro. Hipérbole. Ganhará apenas uns quilinhos a serem debelados em uma semana de treinos acima de exaustivos. Ela vai beber é cerveja mesmo. Se fosse tomar cachaça – juro! – afinaria e voltaria um palito, ou sequer voltaria.

Tudo no ambiente acadêmico é um show de grandes novidades e o tempo não para, como na poesia do Cazuza.

É lindo ver a Superatleta passar, diariamente, metodologicamente, pela seção musa ao espelho. E todas as meninas, dos dezoito aos oitenta, fotografam as silhuetas com a intenção exclusiva de se auto admirarem mais tarde, no aconchego dos seus lavabos elegantíssimos. As mulheres são assim mesmo e é isto que as torna indelevelmente admiráveis. Juro.

Há alguns anos, quando ainda residia em Dusseldorf, capital da Renânia do Norte-Vestfália, às margens do Rio Reno, a princesa anotou no seu caderninho mágico um episódio digno de menção pela poesia e pelo lirismo que da frase exalam.

Mocinha de alta rodagem vestia uma malha meio folgada, bem ao estilo alemão. Uma amiguinha em penugens loirinhas disse que adorava os refrescos de framboesa e perguntou-lhe sobre o seu gosto em termos de sucos. Ela foi sapeca, mordaz, fulminante e doce:

– Eu gosto de suco de mamão, porque quero ficar com o rabão.

A princesinha leu Como Fazer Inimigos e Alienar Pessoas, o livro de Toby Young, o jornalista inglês. Dentre as muitas digressões acerca do convívio da mídia com as celebridades de New York, ela destacou uma por achá-la adequada ao ambiente acadêmico.

Segundo Toby, se você vir uma herdeira de Manhattan sentada em um bar com uma celebridade tendo ao lado um jornalista, este apenas observará com os olhos ávidos o diálogo entre os ricos. O mesmo ocorre com os personal trainers. Mas pior mesmo acontece com a maioria dos escritores, que nunca ganham dinheiro e ficam olhando da janela por serem exatamente pobres.

A moça do caderninho mágico deve ter interesses e conluios com o tal poeta mambembe descendente de portugueses. Em conversa de pé de orelha, dele ela ouviu frase lapidar:

– Presta bem atenção, oh bela rapariga. Nascer bonito é até muito fácil. Difícil mesmo é tornar-se sexy – desexagenário – e manter a beleza que Deus deu a ti de graça. Tudo isso aqui é, realmente, cansativo pra cacete.

Mas é preciso dizer algo muito conveniente: qualquer semelhança não será mera coincidência. Esta é uma obra de ficção e os fatos e personagens aqui narrados nada têm a ver com a vida real. Juramos por Deus.

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CLÁUDIO MOTTA-PORFIRO*

*Escritor. Membro da Academia Acreana de Letras, Cadeira 27. Autor de O INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE, romance, disponível pelo https://www.facebook.com/claudio.porfiro >

 

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