“Em que
depositavas
a atenção quando a
agulha
espetou
teu dedo?”
Se queres te erguer além do sofrimento e te dispor à bem-aventurança, toma a tua dor nas mãos e estuda de que tecido é feita. Estende a peça, observa o todo, processa as tuas impressões. Examina o avesso, confere as costuras, compreende os arremates, descobre remendos e verifica os fios soltos.
Expande a tua investigação: de retalho em retalho, reconstitui a tua história de pesar. Pesquisa os pontos, presume o traçado dos alinhavos, analisa os nós e identifica os padrões da linha narrativa. Repara nas cores também.
Não desperdices as oportunidades que os revezes trazem te vitimizando pelos ferimentos sofridos. Resiste à tentação de culpar o de fora. Em que depositavas a atenção quando a agulha espetou teu dedo?
Trabalho em punho, tateia o alto relevo dos ressentimentos, a trama dos enganos, as falhas das ausências, os vincos dos medos e lhes indaga o que têm para te contar. Recobra a memória da textura.
Ainda, tão importante quanto realizar a tua parte é aprender a soltar o lavrado e deixar que o fazer se apresente. Ele não é todo teu e também se converte belo por ser livre.
De quando em quando, descansa. Entrega-te ao desfrute, recuperando o ânimo para recomeçar.
A cada jornada, empenha-te em conhecer e dominar os instrumentos de ofício. São inúmeros e te auxiliam a enxergar os detalhes, cingir as semelhanças, arranjar as diferenças, restaurar a esperança, aparar o desânimo, enfim, ajudam a te apropriar com esmero da tarefa que te cabe.
Porque a omissão te poupa de enfrentar o conflito, tão intimidador, mas também te acarreta um prejuízo considerável: o impedimento de amadurecer e de conquistar competência e direitos.
A feitura é muitas vezes árdua sim, mas dela advêm alegrias inusitadas: o orgulho sem vaidade de ser coautor da composição pessoal. A tranquilidade de contar com o próprio apoio. A gratidão pela chance de se aprimorar. O poder de realizar sonhos.
Qualifica teu artífice interno e torna a tua vida uma obra de valor.
Onides Bonaccorsi Queiroz é jornalista, escritora e autora do blogverbodeligacao.wordpress.com
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