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Povo Ashaninka festeja e renova luta contra a destruição da Amazônia

A festa do povo Ashaninka, da Aldeia Apiwtxa, no Acre, pode ser explicada como o tecer de uma cultura complexa, forte e milenar. A batida de cada tambor, os cantos com jovens e anciões e o beber das cuias de piyarentsi (bebida fermentada de macaxeira) formam, durante pelo menos uma semana, a celebração das conquistas de um povo que todos os dias reafirma o seu modo de viver bem na Amazônia.

Entre os dias 21 e 25 de junho, a Aldeia Apiwtxa realizou o festejo que comemora os 27 anos da criação da Terra Indígena Kampa do Rio Amônia e a união do povo Ashaninka. Este ano, pela primeira vez, turistas estrangeiros foram convidados e puderam participar, junto de comunidades do Peru, da Reserva Extrativista Alto Juruá e do entorno, uma prova que este povo busca a união entre aqueles que respeitam a floresta.

O ponto máximo inicia no dia 24, quando a partir das 4h da manhã as primeiras cuias da piyarentsi são servidas e os cantos tomam conta do terreiro. A bebida fermentada é um símbolo de alegria, celebração e comunhão entre as famílias. “Nossa história nos faz lembrar a importância desta festa, deste momento em que podemos estar juntos comemorando uma vitória, declara Benki Piyãko, uma das lideranças ashaninkas, que tem levado a mensagem de conservação e fortalecimento da cultura para espaços internacionais, como a União das Nações Unidas (ONU).

Uma das vitórias a qual Benki se refere é a demarcação da Terra, conquistada em 1992, após mais de uma década de luta contra madeireiros e grupos exploradores da região. Parte do território, em que os ashaninkas vivem há séculos ao longo do Rio Amônia, foi devastado para a retirada de madeira por uma empresa da família Cameli, de Cruzeiro do Sul. O processo contra esse desmate está no Superior Tribunal Federal (STF), aguardando julgamento após vitória ashaninka em outras instâncias.

“A luta de cada um de nós não foi fácil, lutamos para conscientizar as pessoas, para trazer uma reflexão sobre a natureza e nossa floresta. Muitos não entendem pois foram ensinadas a só tirar da natureza, e a gente vê que quando só tira, tudo se acaba”, declara Benki.

Ainda pela manhã, parte da comunidade segue para visitar famílias mais acima, ao longo do rio, e continuar a celebração da piyarentsi. Este também é o momento de conversar sobre muitos dos problemas que afetam a tranquilidade da aldeia, e neste ano um dos principais é a pressão que o governo federal e a sociedade externa estão fazendo contra valores e a cultura dos povos da floresta.

“Estamos vivendo uma crise global, um planeta que está ameaçado pelo desmatamento, poluição que levam à mudança climática e terá consequência muito séria. Nós, aqui na aldeia, estamos cada dia mais preocupados com esta questão, mas também preocupado com o cenário político que nos ameaça muito”, afirma Francisco Piyãko, outra liderança ashaninka e presidente da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (Opirj).

Luta política – Este cenário político nacional e a crise do clima global preocupam os ashaninkas, pois ainda está recente na memória o que uma ação predatória pode fazer com a cultura e a floresta. A exploração de madeira ocorrida no século passado transformou a região, fez com que os povos tradicionais se tornassem mão de obra barata e sem a possibilidade de exercer sua identidade. “Para os patrões não interessava se éramos índios ou não, obrigavam-nos a produzir o que eles queriam, seja a extração de madeira ou a caça de animais silvestres”, explica Francisco.

A partir da luta pela demarcação da terra e a retirada dos grupos exploradores, um novo momento surgiu para os ashaninkas. Montaram uma associação e uma cooperativa, estudaram seus direitos e buscaram a criação de projetos que estivessem de acordo com suas tradições e ampliassem um desenvolvimento social dentro da comunidade. Uma das principais iniciativas foi o plantio de árvores tanto na aldeia como em áreas do entorno.

Atualmente, o povo ashaninka contabiliza o plantío de três milhões de árvores, entre frutíferas e espécies medicinais e madeireiras, como o mogno. Só nos últimos dois anos, foram plantadas mais de 70 mil mudas na aldeia e na Reserva Extrativista Alto Juruá, como parte de um projeto desenvolvido junto ao programa federal Fundo Amazônia. Esse projeto, denominado Alto Juruá, foi o primeiro do programa a ser executado de forma direta por um povo indígena.

“Nós temos um sistema e respeito com a natureza de cuidar dela. Não plantamos soja, milho ou grãos porque sabemos que iríamos derrubar a floresta e isso não queremos. Temos aqui dentro, também, a água que nós bebemos e a terra para plantar tudo isto que temos aqui. E são esses soldados, que moram na floresta, que garantem ainda o ar puro de quem vive nas cidades”, explica Moisés Piyãko.

A floresta é parte viva da cultura ashaninka, descendentes de grupos Arawak da Cordilheira dos Andes, há séculos começaram a andar pela Amazônia e descobriram um novo mundo. Atualmente, a luta é para que toda a sociedade não indígena entenda a importância da conservação deste bem natural e a identidade cultural dos povos originários.

 

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