Viajou por sendas de mil amores, trocou afetos por flores, afora os favores e as delícias e a volúpia que é ser feliz como o destino quis. Deu cambalhotas, fez piruetas, se envolveu em mil tretas, mas, ademais, amou como poucos o conseguiram.
Viveu amor tórrido, na pós-adolescência. Deste conluio amoroso, nasceram-lhe ensaios literários, um título, prosas e poemas. Uma diva, mais tarde, encantou o sodomita. Daí, brotaram duas teses acadêmicas laureadas. A glória estava estampada no rosto.
Eis, pois, que um dia surgiu dúvida atroz a ser deslindada tendo como espelho uma história de priscas eras.
Um moço usava uma chave bem antiga e um dia a perdeu. Uma chave nova, então, foi providenciada. Como recomenda o bom senso, quando ele achou a chave velha, esqueceu a nova e se apegou de novo à que havia sido usada por tanto e tanto tempo. É assim a vida. Os velhos amores devem ser revisitados, sim, embora muitos o recriminem.
Em verdade, em fins do século anterior, o menino e anjo tomou uma certa distância da filosofia e, uma vez mais, se encheu de amores tardios pela literatura. Agora, quando ele tenta conciliar as duas coisas, descobre um novo desiderato, um ofício que lhe empresta um par de asas possantes à imaginação. Tornou-se conferencista, ou palestrante, o que dá no mesmo.
Influências muitas foram bebidas de fontes cristalinas, como as de Ariano Suassuna, Chico Buarque de Holanda e Vinícius de Moraes. É partindo daí que ele se arvora o direito de defender melhores modos de vida – papel da filosofia – para os brasileiros, notadamente os mais novos, que se ressentem da necessidade do conhecimento da nossa sabedoria popular, tão rica e tão escamoteada – abafada mesmo – por agentes que por aqui vêm para implantar modismos e trazer um lixo cultural cada vez mais avesso ao índio, ao negro, ao branco pobre, ao Brasil real.
É espantoso ver a denominação Manauara Shopping, por exemplo, em Manaus. Está lá, no frontispício do belíssimo prédio, um termo da língua tupi-guarani mancomunado com uma palavra da língua inglesa. Umincesto a céu aberto de tempo fechado.
Não é apenas chocante, como chega a ser triste, ver que o nome do aprendiz de beletrista é Jean-Claude Van Damme Albuquerque da Silva. A minha afilhada é a Sharon Stone Oliveira de Mendonça. O meu ex-vizinho atende pelo nome de Cristian Gray Freitas Cavalcante; este último numa alusão aos 50 Tons de Cinza.
Machado de Assis pregava que há dois brasis: o Brasil real e o Brasil oficial. O primeiro quer justiça para todos e é dotado de inteligência e saídas em benefício do coletivo, da nação/povo. O segundo é caricato, burlesco e adepto de estrangeirismos. (O francês era moda entre os nossos aristocratas do final do século XIX.)
Mestre Capiba, o músico pernambucano, dizia que, se colocarmos na frente de um cachorro um filé e um osso, obviamente, ele escolherá o filé. Em outras palavras, os nossos mais jovens merecem alimentar-se do que há de melhor em termos culturais. Eles não conhecem as obras de Carlos Gomes, Villa-Lobos, Ernesto Nazaré, Chiquinha Gonzaga, Altamiro Carrilho, Dorival Caymmi, Noel Rosa, Donga, Pixinguinha e mil outros mais que fizeram arte de alto padrão e foram ovacionados em palcos do mundo inteiro. É claro que é tratada aqui apenas uma das artes do quadrivium – a música. Porque os talentos nacionais se espalham, brilhantemente, por todas as demais artes, como a literatura, a dramaturgia, a escultura, a dança, a pintura, a culinária, a costura, dentre outras tantas.
É assim que a defesa da cultura brasileira será feita para onde quer que o menino e anjo seja convidado, como já o fez sob os auspícios da Academia Acreana de Letras.
Ele é, definitivamente, um árduo defensor da cultura brasileira. Cai-lhe no gosto cada pilhéria aqui inventada, do Oiapoque ao Chuí. Todas as expressões dos nossos guetos e favelas são cheios de vida e talento. Como dizia Nelson Cavaquinho, compositor, uma roda de samba é a materialização da felicidade coletiva. Temos ainda uma gota de sangue em cada senzala, uma cascata de suor no roçado e a outra na gafieira. Por isso, quando sambamos, usamos os três pés e desenhamos o mapa do Brasil inteiro num terreiro de macumba.
A partir das cantigas de roda, o menino tem visto coisas interessantíssimas a dinamizarem a criatividade popular. No primeiro dia de aula (1964), já encontrou a Francisco Júlia (falecida em 1920) que lhe falava sobre o tal Patinho, um poemeto lindo. Foi aí que se encantou pelas rimas. A partir de então, a Literatura passou a povoar-lhe a vida. Muito embora tenha tido um caso e filhos com uma prima dela, a Filosofia, hoje está de volta aos braços da velha amante, fazendo arte, porque a criação literária não é ciência, é arte. E arte é cultura.
Faz muito bem ouvir o Ariano Suassuna falar sobre a inventividade e a beleza de tudo o que é criado pelo povo brasileiro, isto, já a partir dos elementos folclóricos. Como esse povo é criativo, apesar das agruras.
E é dessa forma, levando em conta a criatividade de muitos, o sorriso de tantos e a fímbria da maioria, que a língua portuguesa se tem tornado, com a participação de cada um dos falantes, o sustentáculo mais forte da cultura brasileira. Por isto o menino e anjo fez um bom curso de Letras e aprendeu gramática pelos cotovelos. Por isso, está sempre presente e se posta de arma em punho – prosa e poesia – para fazer a defesa contundente do nosso idioma.
É conveniente registrar que a preservação da criatividade do brasileiro passa, obrigatoriamente, pela preservação da língua portuguesa, notadamente a falada no Brasil, mais bela, como bem assegurou o ex-presidente português Mario Soares. Afinal, já dizia Miguel de Cervantes, no século XVI: o português é a língua mais sonora e mais rítmica do mundo. E olhe que o homem era um espanhol.
Em termos metodológicos, pensemos cuidadosamente. Se as melhores obras forem lidas cada vez mais pelos nossos mais jovens, paulatinamente, estaremos nos livrando dos tais estrangeirismos que maltratam a mente e a língua.
Convém afirmar a necessidade de muita gente ao redor destes sonhos. Vejamos o tamanho da responsabilidade das pessoas que lidam com a cultura, como é o caso de tantos que militam neste sentido.
Um conceito clássico diz que a cultura serve como uma luz a iluminar os caminhos a serem percorridos pela Humanidade.
É bom lembrar que Shakespeare, desde o século XVI, ainda hoje lança luzes da sua cultura teatral através de todos os palcos do ocidente. Calderón de La Barca, do século XVII, ainda hoje ilumina as mentes criativas de dramaturgos de todos os naipes. A poesia sensual de Gregório de Matos ainda hoje me faz ver luzinhas coloridas piscando ao meu redor. Sun Tzu escreveu A Arte da Guerra, há quase três mil anos e os seus planos de combate, de general, ainda hoje inspiram as estratégias dos administradores de empresas. A filosofia de Confúcio, que falava da sinceridade e da distribuição da justiça entre todos, ainda hoje está plenamente em voga.
A cultura que vem deles para nos iluminar é a mesma que deixaremos de herança para as nossas futuras gerações.
Por isto, ele posta-se junto dos seus pares. Estão unidos e perfilados. A Academia Acreana de Letras, por meio do lançamento de livros, através da montagem de círculos de leitura ou oficinas de produção textual estará apta a bem desempenhar o seu papel de guardiã competente da nossa cultura e da nossa língua.
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*Escritor. Membro da Academia Acreana de Letras, Cadeira 27. Autor de O INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE, romance, disponível pelohttps://www.facebook.com/claudio.porfiro >