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Um tantinho de amor a preço qualquer

Sol a pino em brilho que relaxa, que apraz, que traz alegria, que refestela, que fala mansinho de vida bem vivida em idade iniciais. Ah, bela é essa juventude que respira brisa amena e levemente adocicada vinda do canal marinho em frente.

Barcos de recreio balouçam. Há pessoas que se enfileiram para um passeio às ilhas mais próximas. Farfalhar de folhas ao chão e ao vento. Passos incertos de quem tem uma tarde sem compromissos. Um caminhar meio sem rumo. Risos. Gargalhadas. Felicidade que diz sim aos bons eflúvios da cidade e do momento a dois em total solidão. À toa pela vida em pleno domingo à tarde.

Temperatura agradável na casa dos dez positivos. Nada como passear à procura de nada e nada encontrar, a não ser o que se busca, como quando se quer apenas estar em boa companhia.

Em um daqueles dias de verão, pois, eles saíram em passeio pelos calçadões da beira de um rio qualquer a desembocar, bem próximo, ali rente ao mar azul de turmalina cor de anil. Eram estrangeiros naquele lugar. Poucos os viam, mas eles viam a todos. Apaixonados, talvez. Entretidos um com o outro, certamente. Estavam, juntos, agora, por contingências do destino. Eram como esses ventos rasteiros que podem vir de qualquer canto e promovem o encontro de pessoas de regiões as mais diferentes possíveis.

Um programa de intercâmbio os trouxera àquele lugar lindo. Ele fazia um curso de nível avançado em política internacional e ela, sobre antropologia da arte. Desse tipo de gente que proclama o bom futuro a custos razoáveis.

Ela nascera no sul de Minas, em pequeno sítio onde os pais, muito humildes, viviam do que a terra dava. Eram especialistas em queijos e licores, além de outros itens próprios da cultura mineira. Depois da base educativa doméstica, a moça rumou para a casa de uma tia avó, de algumas posses, residente na capital, onde foi para avançar nos estudos. E o fez.

Em seguida, conseguiu vaga em uma universidade federal, destas que destinam boa parte das vagas aos filhos de pobres. Lá, fez letras vernáculas, além de um curso de inglês, onde se houve muito bem, tendo em vista a grande capacidade de concentrar-se. Em um programa também da mesma instituição ganhou honra ao mérito, louvor e distinção. Fez-se mestra. Ao término desta fase, candidatou-se a uma bolsa sanduíche, como se chama comumente no Brasil, com vistas ao doutoramento em país do centro europeu. Lá ela estava, agora, quase se derretendo de tanto amar.

O jovem advogado fizera o exame da ordem e fora aprovado ainda aos vinte e pouquinhos anos. Antes, arranjara uma concubina com quem tivera um filho e um desamor deixados no interior paulista. Em termos acadêmicos, percorrera caminhos muito parecidos com os daquela a quem, agora, ele dizia quase amar. Nascera nas adjacências de Morungaba, em um distrito pequeno. Estudara e se formara em Direito, em São Carlos. Aí mesmo, também em uma universidade para pobres, tornou-se mestre e partiu imediatamente para o doutorado europeu. Lá ele estava, agora, sôfrego de tanto querer.

Um dia, então, em um corredor de apressados acadêmicos rumo ao anfiteatro onde um trabalho de interesse geral seria exposto, não mais que de repente, ele ouviu exclamações soltas atrás de si:

– Meu Deus!… O que eu fiz!

Ao olhar para trás, viu que uma moça de cabelos louros deixara cair dois grandes livros e um caderno de anotações. Não se fez de rogado e, num zás trás, apanhou tudo e deixou sair uma frase muito nossa:

– Não se culpe. Essas coisas acontecem até nas melhores famílias do Brasil.

O sorriso da bela foi de um canto ao outro da boca. Ela jamais pensou que um dia fosse encontrar um brasileiro estudante em Bordeaux.
Fizeram-se amigos ali mesmo e marcaram um passeio nas calçadas entre a orla e o rio, para o sábado seguinte. Certo é que, agora, passados quatro meses, também no Domingo eles se dirigem ao local, pois já se acostumaram àquelas caminhadas leves em que um fala ao outro sobre os fatores mais e menos interessantes das suas vidas.

Em verdade, a grande distância das raízes de cada um fomentara e fizera progredir o romance. As conversas sobre as origens brasileiras eram a tônica principal. Falavam das escolas muito pobres, como é comum no Brasil. Lembravam as professoras de um tempo atrás. Rememoravam as brincadeiras de crianças sem berço. Reviviam os pequenos prazeres, em comunidade, ao lado dos pais e irmãos. Recordavam as torcidas e o futebol dos domingos. Sonhavam com realidades de um tempo que já se distanciava.

A pergunta dele foi mais ou menos a seguinte:

– Por que, no Brasil, as pessoas mais pobres leem tão pouco?

A partir daí, juntos, eles passaram a tecer considerações muito consistentes.

Enquanto as escolas dos filhos das classes mais abastadas lhes promovem estudos bem avançados ainda nos primeiros tempos, e mais tarde também, os parcos conhecimentos transmitidos na escola pública levam as crianças praticamente do nada a lugar nenhum. Ao passo que os primeiros são filhos de pais que assinam revistas e lhes compram livros de Harry Poter, os demais, ou a superior maioria, sequer têm material didático nas escolas. Amamos porque amamos, mas vivemos em um País onde o hábito de nunca ler nada é incentivado pelos poderosos. Lamentável.

As leituras mínimas e irrisórias não passam de um processo obsoleto em que a criança copia do quadro de giz o que o professor mal preparado mal escreveu. É triste. Muito triste mesmo.

Desde milênios, os livros sempre foram muito temidos pelos detentores do poder. Nas palavras de Iturbe, em A bibliotecária de Auschwitz, qualquer que fosse a sua ideologia, todos os tiranos tiveram algo em comum: sempre perseguiram os livros com verdadeira sanha. São muito perigosos. Fazem pensar.

Ele estava estudando as bases teóricas do pensamento socialista, mas houve por bem lembrar as frases de um dos grandes representantes do capitalismo moderno, John Fritzgerald Kenedy, para quem todos nós temos talentos diferentes, mas todos nós gostaríamos de ter iguais oportunidades para desenvolver os nossos talentos.

Mas as oportunidades não acontecem. O estado brasileiro não dá a mínima para a educação das classes trabalhadoras. Os livros sempre foram mantidos distantes dos mais pobres e, muito especialmente, bem mais longe dos mais jovens das classes desassistidas. Se nós os fizéssemos grandes leitores, o quadro social nosso estaria em um patamar de desenvolvimento muito superior.

É preciso encaminhar os mais novos no rumo das boas leituras. Para o espanhol acima citado, os adultos são um material desvirtuado. Por isso os jovens são tão importantes. Eles ainda podem ser moldados e melhorados.

Em verdade, os livros estão cada vez mais longe das possibilidades dos mais humildes e estes devem se manter ignorantes de forma a sempre acreditar no que querem as elites.

A essa altura dos acontecimentos, o poeta ultrapassado sintetizou ao afirmar que é preciso apenas um tantinho de amor ao próximo, seja a que preço for.

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CLÁUDIO MOTTA-PORFIRO*
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Escritor. Membro da Academia Acreana de Letras, Cadeira 27. Autor de O INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE, romance, disponível pelo https://www.facebook.com/claudio.porfiro >

 

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