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Estradas para o progresso ou destruição no interior do Acre?

Faz algum tempo abordamos nesta “A GAZETA” a construção “pirata” de uma estrada com cerca de 40 km entre a cidade de Jordão, nas margens do alto rio Tarauacá, e a comunidade de Porto Novo, nas margens do rio Muru. A estrada foi aberta “na tora”, ao arrepio da lei, sem estudo de impacto ou licenciamento ambiental.

Agora leio na imprensa local que no mês passado uma trilha com cerca de 30 km foi aberta entre a margem do rio Juruá Mirim, na divisa entre os municípios de Porto Walter e Cruzeiro do Sul, e a margem do igarapé Maloca, na divisa dos municípios de Cruzeiro do Sul e Rodrigues Alves.

A abertura dessa trilha era o que faltava para permitir viagens terrestres em veículos motorizados entre as cidades de Rodrigues Alves e Porto Walter. Um ramal entre Porto Walter e as margens do rio Juruá Mirim foi concluído há cerca de cinco anos e o trecho entre a cidade de Rodrigues Alves e as margens do igarapé Maloca já existe há mais tempo.

A trilha entre o rio Juruá Mirim e o igarapé Maloca corta uma região praticamente desabitada, com floresta primária sobre relevo acidentado, cujas áreas mais baixas inundam no período chuvoso por influência das várzeas do rio Juruá e de numerosos igarapés que drenam o local.

De um lado a trilha se limita pelo rio Juruá e do outro ela margeia em mais de 80% do seu trajeto a Terra Indígena Jaminawa do Igarapé Preto, que conta com uma área de cerca de 26 mil hectares onde vivem, segundo dados do IBGE de 2010, cerca de 170 indígenas. Este “corredor” por onde a futura estrada deverá passar, tem largura que varia entre 3 e 8 km.

O fato de a futura estrada ter que cortar uma região com topografia acidentada e inundável no período das chuvas sugere que a abertura desse trecho final de cerca de 30 km será extremamente onerosa, pois serão necessárias numerosas pontes e aterros para garantir que o mesmo seja trafegável durante todo o ano.

Construir a estrada seguindo a trilha que margeia o rio Juruá seguramente resultará em um funcionamento intermitente da mesma: aberta uns poucos meses no verão “amazônico” e fechada a maior parte do ano em decorrência das chuvas. Com um agravante: anualmente o governo e as municipalidades beneficiadas terão que “recuperar” a destruição causada pelas chuvas.

Caso se queira evitar esses trechos alagáveis construindo a estrada sobre os “divisores de água” (lombo das terras) – como na ligação entre a estrada Transacreana e a margem do rio Iaco – é certo que a extensão da estrada triplicará e que ela adentrará mais de uma vez a terra indígena. Licenciar estrada dentro de Terra Indígena, mesmo no governo atual, é missão quase impossível.

Foi noticiado que a abertura da trilha entre o igarapé Maloca e o rio Juruá Mirim foi feita “no peito e na raça” ao longo de 60 dias. Aparentemente sem licença dos órgãos ambientais competentes. Além disso, não se sabe quem “pagou” as elevadas despesas para a abertura da trilha. Foi a Prefeitura de Porto Walter? A de Rodrigues Alves? Ou a de Cruzeiro do Sul?

É caso para o Ministério Público (Estadual e Federal) intervir e realizar uma rigorosa investigação tendo em vista que a abertura da trilha sem licença ambiental pode ter resultado em crimes contra a fauna e a flora.

Por um lado é inegável que a abertura da referida estrada facilitará o acesso dos moradores do médio e alto Juruá até a cidade de Cruzeiro do Sul (onde hospitais e escolas são mais equipados e de melhor qualidade) e de lá para a capital do estado, Rio Branco.

Ela também poderá baratear o preço de alimentos industrializados e outros bens de consumo, e facilitará o escoamento da produção agrícola no período do verão, quando o nível do rio Juruá limita o tráfego de barcos.

Por outro, já está provado que a abertura de estradas na Amazônia é vetor do desmatamento e explorações florestais e minerais ilegais. O suposto “progresso” representado por estradas como a rodovia BR-364 entre Cruzeiro do Sul e Rio Branco tem um preço.

Não foi coincidência que depois da pavimentação da mesma observou-se um aumento considerável na violência urbana, pobreza e problemas relacionados com o uso e tráfico de drogas nas cidades localizadas ao longo da mesma.

 

A expansão urbana desordenada ocorrida resultou em dificuldades financeiras para as cidades “beneficiadas” em razão do aumento explosivo na demanda de serviços públicos (escolas, hospitais, urbanização, eletricidade, água tratada e esgoto), além da pressão pela geração de empregos que, em geral, não se concretizaram.

Tarauacá e Sena Madureira são os melhores exemplos dessa situação: infraestruturas urbanas precárias, pobreza predominante, violência em níveis elevadíssimos e tráfico e uso de drogas em níveis nunca vistos.

É interessante que quando políticos e empresários “vendem” a ilusão do progresso que as estradas podem trazer para cidades isoladas, o mantra é um só: acabar com o “isolamento”.

Na prática, o “suposto” progresso e o fim do isolamento resultam invariavelmente em ganhos para as elites empresariais locais (comerciantes, fazendeiros e madeireiros). A maioria da população, especialmente a não qualificada, continuará a enfrentar duras condições de vida, sobrevivendo de subempregos, sem moradias dignas e precários serviços urbanos e de saúde.

Por isso, mesmo sabendo que as populações das cidades isoladas do interior do Acre são em esmagadora maioria a favor das estradas – porque ficam iludidas por um progresso que nunca virá – vale a pena alertar para os malefícios que a abertura “no peito e na raça” das mesmas poderá trazer.

Não é aceitável que essas “estradas para o progresso” deixem como legado para as futuras gerações o que temos visto hoje na maioria das cidades “integradas” por rodovias no interior do Acre: pobreza, desagregação familiar, violência e destruição ambiental.

 

 

Evandro Ferreira

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