Estas são confissões minhas um tanto bizarras. São queixumes que brotam do fundo da alma tola. Ao acima aludido cronista, foi permitido colocar tudo em bom papel e bem traçada letra, para que as próximas gerações tenham conhecimento da minha desdita amorosa. Sim. Sou mulher que afronta o desabafo frente a frente, no peito mole e na raça burra.
Pois bem. O mundo da lua é um lugar muito distante e, na maioria das vezes, habitado pelos parvos, abobalhados e iludidos. Eu nem quero lembrar as viagens que para lá fiz, quando me apaixonei, ainda em adolescente, há muitas e muitas eras. Tal fator, pensei, nunca mais apoderar-se-ia da minha alma quadrada. Mas a vaca foi pro brejo, sim, uma vez mais.
Pior é que, desde que o mundo é mundo, todos têm consciência dos resultados atrozes das paixonites agudas, que levam os bobos a estágios de abestalhamento em que, no mais das vezes, o melhor é morrer, mas morrer de rir, depois que os espasmos, tremores e suores frios se vão. Mesmo assim, apesar das cinquenta e tantas voltas ao redor do sol, entrei pelo cano. Escorreguei na maionese e caí de quatro por um canalha louro e bombado vindo da região de Bistrita, Romênia, a terra dos ciganos.
Fiquei encantada. Ele era tudo de bom. Era gostoso, valente, rico e comunicativo. Não era um mero falastrão. Então, só depois de o pau bater nas canelas, foi que percebi algo muito corriqueiro para os que não sofrem de arrebatamentos e paixões basbaques. Parte significativa das mulheres do nosso tempo correm alegres para o precipício, porque elas próprias se encarregam de colocar à sua frente algo que as impede de o ver. Vagabundos têm olhos de cobra que seduzem. Alguém disse isso um dia desses, talvez, na época da construção das pirâmides de Gizé.
Sou de Vilamoura, região do Algarve, Portugal, uma parte do mundo onde ainda as mulheres acreditam na honradez e nos bons propósitos dos representantes do sexo libidinoso.
Um dia, numa quermesse de maio, bastou alguém pronunciar o meu nome quase em sussurro pelas minhas costas:
– Oh! É você a encantadora e bela Leonor, certamente.
Quase tive um piriquipaque. Era muita beleza para um homem só. Mas, enfim, consegui me recuperar:
Sim, como sabes o meu nome?
– Sou cigano e aprendiz de bruxo. – Disse ele por trás de um sorriso que me fez molharem as calcinhas. Estava perdida.
Rezei noites e noites pedindo à Virgem que me fizesse cair no esquecimento aquele gajo pomposo. E nada.
Numa dessas noites, então, o tal Roni – que significa garoto maroto entre os ciganos – caiu feito um fantoche, ao pé da janela dos meus sonhos mais picantes. Beijou e me atirou uma papoula silvestre murcha. Quase morro de amores ainda só de pensar. Oh, Jisus!
Pra lá de resoluto, ele atravessou o quarto correndo até mim. Cumprimentamos- nos com um longo abraço, que logo se transformou num beijo profundo e apaixonado, com a língua dele mergulhando na minha garganta, como uma gaivota lançando-se na direção de uma batata frita velha na calçada.
Roni, então, sacou as ceroulas finas e montou na cama estreita de hotel barato. Já estava eu nua em pelo por baixo dele, como uma USB pronta para receber o seu pen drive. Corei. Virgem dos céus!
Uma noite foi muito pouco. Uma semana não foi o suficiente. Fomos a um mês só no bate-bate enlouquecido. E não foi amor pra mais de metro, não. Atingimos quilômetros e milhas incontáveis, em vista do fôlego dele e da minha muita experiência no métier.
Mas veio o dia da partida. Ele viajou de volta para Bucarest, a fim de tratar de interesses seus. Lá deixara muitos bens, inclusive um estaleiro na cidade de Constanta. Ele era um milionário e eu uma mocinha de alta idade com um fogaréu aceso debaixo não sei de onde.
Chegaram até mim, na época, algumas intervenções familiares um tanto drásticas e eivadas de insultos. Até entendi. Havia uma fortuna na herança do gajo sensacional. Coisa de bilhões, ou mais. Uns parentes fizeram ligações telefônicas, dizendo-o muito moço para emoções tão fortes. Que eu o deixasse em paz de uma vez por todas, tendo em vista os meus cinquenta e tantos janeiros de grandes jornadas através do Himalaia e Andes. Mas estávamos tratando do maior amor da minha vida. Era o meu mundinho colorido desenhado a quatro mãos por eu e ele, na alcova, é claro. Nem por uma sentença do Papa Chico eu deixaria aquele homem bonitão e quase adolescente me escorrer por entre os dedos. Que desse no osso e a merda no pescoço, mas eu não arredaria a mão e nem a boca daquela botija e daquele osso morto de gostoso. Jamais.
Em pouco mais de quinze dias, já estaríamos casados, segundo ele. Teríamos toda uma vida pela frente – e por trás – até que a morte ou a pilantragem e a mentira nos separassem. Dito e feito.
Por meio de correspondência eletrônica bem forjada, então, ele fez contato e me pediu cinco mil libras esterlinas emprestadas. Fiquei ainda mais bestificada. O homem mais rico da Romênia queria uma quantia irrisória emprestada, porque se complicara com a polícia polonesa no porto de Gdanski. Oh, Deus meu!
Eu tinha bem mais e muito mais. Em dois minutos, fiz transferência bancária via internet. Logo ele pagaria a fiança e estaria livre para correr rumo aos meus braços já cansados de tanto esperar por doze dias. Uma eternidade contada nos dedos.
E os meses se passaram. Ele não veio. Nunca voltou. Jamais regressou. Não dava. Enquanto eu usava no tornozelo uma correntinha de ouro de vinte e quatro quilates e quarenta que mordem, ele portava uma tornozeleira eletrônica bem forjada em aço inoxidável com um dispositivo que, segundo percebi depois, serviria para uma espécie de fuga maluca para a liberdade eternamente provisória de um pilantra de marca maior.
De certa feita, em Montenegro, ele, ainda contando dezoito voltas, havia prometido mundos e fundos para uma carola da Igreja Ortodoxa de Sveti Tripun. Ela lhe passou um bom dinheiro e ele, dizendo que ia ao sanitário, abandonou-a numa gare, em Podgorica, a capital. O Roni deu uma volta na velhinha. Ela perdeu o trem da história, o dinheiro e o gostosão.
E eu, então, agarrada à insegurança que nos transmitem os homens da modernidade, estou aqui, confiando as minhas confissões a um cronista de meia tigela que não é da minha inteira confiança. Nunca.
Apesar de não tão confiável, foi ele quem gravou em mim assertiva contundente segundo a qual nós, sempre movidas por paixões imbecis, construímos castelos de areia e nos debulhamos em lágrimas ao perceber que eles ruem ao primeiro contato com a mais mansa das marolas.
Arre porra!
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CLÁUDIO MOTTA-PORFIRO*
*Escritor. Membro da Academia Acreana de Letras, Cadeira 27. Autor de O INVERNO DOS ANJOS DO SOL POENTE, romance, disponível pelo https://www.facebook.com/claudio.porfiro >