Céu cinzento, sol “rachando”, calor intenso e covid-19. Já se perguntaram qual a relação entre todos esses temas? Durante os meses de seca, principalmente entre julho e setembro, podemos ter ouvido a seguinte conversa: “Já colocou sua roupa para lavar hoje? Não tem problema nenhum se já é tarde. Aproveita pra lavar e estender logo ela no arame, porque já já está seca!” ou “Hoje o dia tá bom pra lavar roupa.”
Frases como estas fazem parte do cotidiano de muitos (as) acreanos (as) durante os meses de verão amazônico. É comum que durante esses dias o sol aparente estar ainda mais quente, o calor então, nem se fala. Ainda durante esse período o céu começa a apresentar cores “comuns” para a estação, tons de cinza e laranja invadem o céu e mudam a paisagem da nossa cidade.
Talvez o primeiro passo seja entender por que nossa roupa seca tão rápido nesse período. Para isso, precisamos falar um pouco sobre a umidade relativa do ar. Durante o verão amazônico, ou seja, o período comumente conhecido como estiagem, as minúsculas moléculas de água (vapor de água) que representam a umidade do ar, são escassas. No meio ambiente existe uma forte tendência a equilíbrio. Ao estender uma roupa molhada no varal, estamos expondo uma superfície com muita água a um ar com pouca água. Assim, durante o período de estiagem, nossa roupa seca muito mais rápido.
A ausência de chuvas aliada a outros processos contribui para a formação de possíveis combustíveis para queimadas e incêndios florestais, como folhas e galhos secos, e gera um efeito dominó com diversos prejuízos. Isso ocorre porque durante esse período seco a quantidade de água (vapor d’água) que saí é muito maior que a quantidade de água que entra, como no exemplo das nossas roupas
Mas esse fenômeno não acontece somente nas nossas roupas, ele se estende também em nossas florestas, onde a entrada e saída de água (via evapotranspiração) torna tudo mais seco, mais fácil de queimar. Além disso, nossas florestas contribuem para a regulação do clima. O agravante é que estamos mudando o sistema, nosso meio não é assim. Estamos degradando nossa vegetação e alterando o regime de chuva.
A foto apresentada neste artigo foi de um registro feito em agosto de 2017 ao entardecer na via principal que dá acesso à Área de Proteção Ambiental Raimundo Irineu Serra – APARIS, em Rio Branco, Acre. Na imagem é possível perceber poucas nuvens, fato que possibilita a sensação de calor mais intenso e como costumamos dizer “de sol rachando”. Ao mesmo tempo, o mesmo céu apresenta uma grande quantidade de fumaça que aparenta alterar sua coloração e assim, completa a paisagem típica desta época do ano.
Atualmente estamos enfrentando a pandemia da Covid-19. Neste mesmo período, cientistas disponibilizam dados e previsões preocupantes de desmatamento, queimadas e secas severas, (que podem ocorrer de forma simultânea). Mas ainda não respondemos à pergunta que dá título à matéria. Afinal, roupa seca e cheiro de fumaça: o que a Covid-19 tem a ver com isso? Neste momento a batalha contra a pandemia tem um agravante, pois junto com o verão amazônico temos pouca chuva e muitos focos de calor e queimadas. A cultura da queima em diversas zonas urbanas do nosso estado contribui para o aumento de incêndios florestais. Esses fatores podem ser agravados, se considerar a superlotação do sistema de saúde durante a pandemia.
Com a combustão via queimadas são geradas e emitidas para atmosfera minúsculas partículas chamadas de “Material Particulado (PM sigla em inglês)”. A poluição do ar por essas partículas é ainda mais preocupante durante e pós pandemia. Se comparar seu tamanho com um fio de cabelo humano vamos entender o porquê. Nosso fio de cabelo varia de 40-120 micrômetros de diâmetro. O PM possui 2,5 micrômetros ou menos de diâmetro, tamanho muito menor.
O material particulado (PM 2,5) gerado pelo fogo modifica a paisagem e ainda pode ser retido em nosso organismo, e, caso inalado, pode trazer prejuízos para a saúde humana e pode piorar a situação daqueles com problemas respiratórios.
Ainda podemos refletir um pouco mais a partir das seguintes informações de um artigo científico “…Um pequeno aumento na exposição a longo prazo de PM 2,5 leva a um grande aumento na taxa de mortalidade por COVID-19…” e ressaltar a importância de “…continuar aplicando os regulamentos de poluição do ar existentes para proteger a saúde humana durante e após a crise do COVID-19”.
Chegou a hora de cada um fazer sua contribuição. Sua roupa continuará secando mais rápido durante a estação seca, mas que tal ela secar sem ficar com cheiro de fumaça? Como você pode contribuir? As perguntas podem servir para que façamos algumas reflexões e tenhamos motivações para enfrentar essa nova fase que estamos vivenciando. Se fizermos a nossa parte contribuiremos para a desobstrução do sistema de saúde. Sua atitude é fundamental.
* Yara Pereira de Paula- Bióloga, Mestre em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais e Pesquisadora Assistente no Projeto MAP-FIRE.
** Irving Foster Brown – Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woodwell Climate Research Center, Docente de Pós-Graduação e Pesquisador do Parque Zoobotânico da Ufac.