Um prefere o frio e o outro calor, um ouve mais sertanejo enquanto o outro gosta de música clássica. Ao mesmo tempo, ambos têm o preto como cor favorita e compartilham a preferência por filmes de drama. Eles são gêmeos e, por mais clichê que soe, são bem parecidos, mas muito distintos. Ouvir um diálogo entre os acreanos Lucas e Marcel Blazute é saber que, como todos os irmãos, as “brigas” fazem parte, mas a risada também é certa. Durante nosso papo, leve e divertido, de quase uma hora, as falas dos dois se cruzavam várias vezes, ora para complementar, ora para discordar do outro.
Com 31 anos de idade, Lucas é designer de interiores e Marcel é decorador. Apesar de crescerem em um “casamento forçado”, como eles brincam, ambos decidiram manter a união na vida adulta e comandam um estúdio de design há quase oito anos, em Rio Branco. O trabalho trouxe muita popularidade para os acreanos, mas foi com o reality show “The Circle” (2020), da Netflix, que eles ficaram ainda mais conhecidos.
Resumindo, o programa consiste em confinar os participantes em quartos separados e a única interação entre eles acontece por uma rede social. O interessante é que eles têm a opção de criar um perfil “fake” e como em todas as redes sociais, você edita o que vão saber sobre você. Os 14 participantes disputaram o prêmio de R$300 mil e os irmãos acreanos ficaram em quinto lugar com o perfil fake de uma mulher chamada “Luma” (ship dos dois nomes).
Com mais de 150 mil seguidores no Instagram, cada um, hoje eles refletem sobre como este mundo virtual, o qual eles tanto aproveitam, é muito frágil. “Essa pandemia virou um grande ‘The Circle’, porque todo mundo foi para as redes sociais, muitos perfis cresceram e aconteceu (assim como no game) de a gente ficar julgando muito os outros pelas redes sociais”, comenta Lucas.
“A lição que tive foi a de não julgar. Acho que é um trabalho que todo mundo tem que fazer no dia. No jogo a gente analisava o perfil de uma pessoa pela tela (…) e depois que a gente conheceu foi um ‘tapa na cara’. Julgar só de ver? Você tem que conversar pelo menos uns 10 minutos com a pessoa para ter uma noção”, reflete Marcel.
Hoje, ambos tentam equilibrar a necessidade de estar nas redes com a vontade de não reproduzir o comportamento que tanto criticam. “A gente não pode levar as redes sociais muito a sério. Eu fiquei um pouco desacreditado das redes. O meu perfil pessoal, às vezes, eu não tenho nem vontade de abrir… é muita falsidade, muito interesse…”, desabafa Lucas.
Como sobreviver a isso tudo? “Ansiolítico”, eles brincam, mas levam a sério a necessidade de se fazer terapia, praticar exercícios e até a adoção de um animal eles indicam como uma opção para lidar com os conflitos das realidades dentro e fora das telas.
Além dos seguidores e aprendizados para a vida, o reality despertou a vontade de participarem de outros programas que possam surgir. Mas também gerou um “super gatilho” para os irmãos criarem seu próprio conteúdo. Lucas e Marcel pretendem abrir um canal no YouTube e compartilhar tanto os momentos da vida pessoal quanto profissional, mas claro, tentando fugir das “máscaras” das redes.
“A gente tem muita vontade de criar um conteúdo diferente e que seja agradável. Não aquela coisa engessada”, explica Marcel. Enquanto Lucas comenta que estão se organizando para planejar os vídeos.
Química juntos, é impossível negar que eles tenham e assuntos também têm de sobra, visto que não existe tabu nem para falar da orientação sexual. Ambos homossexuais, eles comentam como divergiram no processo de descoberta e aceitação. Enquanto Marcel começou a se relacionar com outros homens a partir dos 18, Lucas levou mais tempo. Eles lembram de quando Marcel contou sobre sua orientação para a mãe deles, aos 21 anos.
“Foi um B.O, minha mãe não lidou bem no começo”, conta ele. “Ela me ligou e disse ‘conta logo que você também é!’, e eu disse ‘Mãe se eu for, se eu me descobrir (gay) eu vou lhe falar. Aí uns 4 anos depois…”, se divertiu Lucas relembrando.
Eles acreditam até que essa irreverência e desprendimento foram fatores que os levaram a serem escolhidos para participar do programa. Em uma das fases da seleção, que durou quase um ano, eles brincaram com os produtores dizendo os motivos para compor a produção: “Gêmeos, animados, acreanos, gays… vocês não tem como não chamar a gente para participar!” relembra Lucas. “Prepotentes”, acrescenta e brinca Marcel.
E nesse clima de irmandade, enquanto não temos o canal Blazute disponível, deixo parte da nossa entrevista abaixo. No trecho, eles respondem sobre a vida como gêmeos e a recepção (ou não) dos acreanos após o reality, além do bate bola que construiu o primeiro parágrafo desse texto. Atenção: essa entrevista está repleta de brincadeiras e piadas entre irmãos!
Daniel – Sobre o “The Circle”, como foi poder representar o Acre no programa?
Lucas – Era uma obrigação para a gente dizer: É ACRE! Por que vocês não vão chamar a gente? Gêmeos, animados, acreanos, gays, vocês não tem como não chamar a gente para participar!
Marcel – Prepotentes! (rindo)
Lucas– Não fui prepotente, eu me reconheci. Depois de muita terapia eu reconheci meu valor! (rindo)
Marcel – Mas a gente quis levar muito isso. O acreano é assim, aonde está é aparecido. A gente pode estar em qualquer lugar que a gente vai levar o Acre porque a gente ama. Mas para ser muito honesto eu não senti um bom retorno de muita gente do Acre, acho que rolou um conflito de ego.
Lucas – Rolavam umas caras tipo “aff, queria eu estar lá…”
Marcel – Infelizmente… No começo, após o programa, a gente recebeu convite em São Paulo, de marcas, empresas, vários lugares nacionais e do Acre não teve nada.
Daniel – E falando mais de vocês, como a relação de irmãos gêmeos foi afetando a vida particular?
Lucas – Imagina um casamento, mas um casamento forçado. A gente cresceu juntos, fomos criados juntos, dividimos o mesmo quarto, tudo foi dividido e depois na vida adulta dividimos o mesmo escritório!
Marcel – E naquela época (década de 90), gêmeos ainda estudavam na mesma sala. Então, a gente sempre foi muito parecido. A gente só foi sentir diferença um do outro na época da faculdade, quando fiz uma viagem com a minha turma.
Lucas – Ele começou o curso dele, eu o meu, em faculdades diferentes, turmas diferentes e o Marcel foi para um lado que às vezes eu olhava e dizia ‘Tô desconhecendo esse meu gêmeo!’
Marcel – Aí eu fui viajar e ele “e eu não vou?”, eu disse “não!”. Teve uma hora que cansou. A gente dividiu o quarto até uns 22 anos, não dava. Agora a gente tá bem separadinho, divorciados! O que para mim, marcou muito (sobre o The Circle) foi nosso retorno de ficar na mesma casa morando, dava briguinha.
Lucas – Mas com o tempo a gente foi vendo uma vantagem em ser gêmeos no lado do marketing.
Daniel – Então, vou aproveitar para fazer umas perguntas rápidas e ver essas semelhanças e diferenças entre vocês. Uma cor?
Lucas e Marcel – Preto
Daniel Tipo de filme?
Lucas e Marcel– Drama
Daniel – Tipo de música?
Lucas – Sertaneja
Marcel – Clássica
Daniel – Praia ou piscina?
Lucas – Praia
Marcel – Sou libriano… mas praia!
Daniel -Frio ou calor?
Marcel – Frio.
Lucas – Calor.