Quando estava prestes a completar quatro décadas de vida, li um texto na rede social que falava sobre o nosso corpo ser nosso templo sagrado, afinal, ele carrega todas as marcas da jornada, sejam físicas ou emocionais. Então percebi que ultimamente, sempre que falava de minha idade, eu dizia que estava prestes a fazer 40 anos, mas me sentindo com toda energia de 25 e com a maturidade alcançada a partir dos 30, a linda fase balzaquiana que agora se vivia aos 40 (tese minha, considerando que vivemos mais tempo do que as mulheres na era de Balzac). Ocorre que essa repetição em afirmar isso fez com que eu me perguntasse o motivo de toda essa explicação.
Acredito que no fundo eu estava fazendo uma série de justificativas pedindo licença por estar chegando aos 40, diante de uma sociedade que cobra juventude eterna em uma manipulação diária de valores.
Tratei de refletir um pouco mais, pois não queria de forma alguma chegar nessa etapa sendo uma mulher mal resolvida com a idade, pois acredito que iniciar um novo ano seja realmente de renovação.
Não, eu não sou uma mulher de 40, com energia de 25, maturidade da era dos 30. Eu me recuso a ser essa mulher! Eu sou uma mulher de 40, com energia e maturidade de 40, os meus 40, com cada ano sendo extremamente importante para a jornada que vivi até aqui, cada um deles fundamental para o que ainda tenho para viver, imprescindível para a mulher que sou, a mulher que me tornei e que está em constante lapidação.
Sou a mulher de 40 que tenta cuidar da mente e do corpo, mas às vezes se desleixa, simplesmente cansa, abandona e para. Mas entende que esse cuidado é importante, e não se tratar de estética, mas sim de qualidade de vida, de cuidado com o seu santuário.
Essa mulher que ama estar em roda de amigos, conversando e celebrando a vida, mas nem sempre tem pique para dois dias consecutivos de festinha. Sou a mulher que explode de energia, mas que tem dias que prefere ficar quietinha em seu silêncio. A mulher que ainda vai para rua protestar, a mulher de ideais, e que tenta cada vez mais aprender a ouvir e não só falar.
Sou a mulher de 40 que não para de sonhar, inquieta, mas aquela que fui aos 25 ou aos 30 não existem mais, afinal, elas cumpriram sua jornada para o que sou hoje. E isso não significa ser menos ou mais interessante. É apenas o que sou, e cada etapa tem sua beleza, a doce e o amargo de ser o que é. E que bom poder fazer essa ressignificação. Minha nossa, quatro décadas de muitas vivências extraordinárias.
Esse foi apenas um momento de muitos na minha vida em que me apeguei as justificativas infindáveis, como se estivesse pedindo permissão por ser mulher, para o que significa minha existência. Estamos em 2021 e ainda temos que pedir licença para viver.
A jornalista Patricia Pontalti foi cirúrgica em uma publicação que fez, e que fiz questão de repostar em meu instagram, citando uma fala da Madona e reproduzo aqui: “As pessoas sempre tentaram me calar por uma razão ou outra, ou eu não era bonita o suficiente, ou eu não cantava bem o suficiente, ou eu não era talentosa o suficiente, ou porque eu não era casada, e agora é porque eu não sou jovem o suficiente”.
Agora imaginem, se a Madona, rainha do pop, com 62 anos e mais de 40 anos de carreira, ainda precisa pedir licença para tudo isso, o que acontece com comigo ou com você, simples mortais, sem o glamour da fama e uma carreira consolidada e que marcou o mundo?
Lógico que ela não se explica e nem pede licença, afinal, por isso é a Madona que conhecemos, que rompeu tantas barreiras. Mas é o que Patricia fala, “quantas de nós já se sentiram assim: caladas, cobradas, insuficientes? Nosso corpo, nossa idade, nossos talentos, nossas escolhas, nossa liberdade sempre questionados”.
Acredito que a maioria de nós, e quem ainda não sentiu, infelizmente, vai sentir. É extremamente cruel ter no palco do debate público o corpo feminino.
E diante de toda essa reflexão, me deparo com mais um absurdo, em pleno 2021, uma notícia veiculada na Folha de São Paulo, de planos de saúde que exigem que mulheres casadas necessitam de autorização do marido para colocar o DIU. Oi!!! Espera aí, que loucura é essa? De quem é o corpo?
Sim, concordo Patrícia, calamos por tempo demais, mas não foi por uma escolha, e sim por uma condição amarga e cruel. Lógico que muitas lutas de mulheres extraordinárias nos trouxeram onde estamos, com conquistas inimagináveis, mas que triste ver que essa jornada ainda tem tantas batalhas. E claro, também “reproduzimos as mesmas críticas que fazem a nós por tempo demais”, concordo. E precisamos falar mais disso, dialogar, refletir mais, pois se já é difícil lutando, imaginem se nos calarmos? Nem pensar, não é mesmo?!
E finalizo com o que disse Patrícia, lembremos sempre “a potência é sempre mais alta quando se está em coro”. Que façamos esse coro ecoar cada vez mais!
(Andréa Zílio – comunicadora)