Cabelo cacheado, grande e volumoso, barba no rosto, sombra azul e lápis de olho, uma blusa “feminina”, calça jeans e uma voz única: esta é uma das imagens que Igor Martins pode apresentar no dia a dia. Ele também pode ser visto de peruca e um vestido, em algum evento, ou de camisa social e um brinco no trabalho. Seja como estiver, algo é certo: Igor chama atenção, gera olhares curiosos, levanta questionamentos e instiga as pessoas. Sua vida virou pauta, nas redes sociais, e hoje ele tem como missão de vida levar questões que ajudem, de diversas formas, as pessoas questionarem padrões e convenções (É sobre isso, menines!).
Igor Martins é acreano, jornalista, criador de conteúdo digital, funcionário público e o artista que dá vida a drag queen Agata Power. É importante destacar também que, atualmente, ele se define como uma pessoa não binária, ou seja, que não se identifica com um único gênero (masculino e feminino) ou que flui entre estes. Dessa forma, Igor não teria problema em ser referido com o uso de artigos femininos, neste texto e no dia a dia. Mas, adiantando umas das dicas que ele já deu em suas redes: se você tem dúvida sobre como chamar alguma pessoa, é simples, basta perguntar! Até porque, uma roupa não define o sexo de ninguém.
E é, principalmente, sobre pautas como estas, que fazem parte do universo LGBTQIA+, que Igor fala em suas redes de forma engraçada, sem tabus, com o bom ‘acreanês’ e de maneira didática ao mesmo tempo. “O que me trouxe um despertar maior para essa pauta, primeiro foram as discussões que começaram a se tornar mais frequentes na internet, eram assuntos que ninguém falava. Junto a isso, o start da arte drag na minha vida, porque é uma arte de resistência”, comenta o jornalista.
Suas pautas e forma de se apresentar geraram um convite para que ele desse uma palestra/consultoria sobre questões LGBTQIA+ para os funcionários de uma empresa de Rio Branco, neste ano. Apesar de estudos, pesquisas e muita troca de conhecimento, a maior fonte de Igor para esclarecer e tirar dúvidas dos participantes foi sua própria vida. A persona Ágata Power, que ele criou há cerca de seis anos, e a identidade não binária trouxeram e trazem olhares e vivências enriquecedoras, que ele leva e transmite em todo lugar.
“Incorporar uma persona feminina me instiga a pensar no feminino, nas mulheres, nos direitos, nas pessoas trans que, muitas vezes, são invisibilizadas, porque eu passo isso na pele. Além disso, ser uma pessoa não binária é isso aqui, é ser o que eu sou e, aos olhos das pessoas, ser algo conflitante, algo que instiga, que choca. O que acho que não deveria chocar, mas, pelos paradigmas da nossa sociedade, isso choca as pessoas de alguma forma”, declara Martins.
Sua vida pessoal já era uma de suas principais pautas, desde quando começou a utilizar as redes sociais, fosse o Facebook e o YouTube, há mais de seis anos, ou o Instagram, atualmente. Igor foi percebendo que quanto mais ele trazia suas vivências, mais ele se conectava e conseguia ajudar aquele público de alguma forma.
“Por exemplo, tem muitas pessoas que me seguem que não são da comunidade LGBTQIA+, mas que, muitas vezes, tem pessoas na família que são, e que não sabem como lidar. Isso acaba chegando até você, e você acaba abraçando isso. As coisas foram se desenhando para que eu fosse trabalhando dessa maneira, eu fui seguindo o fluxo sabe, o rio foi descendo e a gente vai junto”, comenta.
E o fluxo fez com que hoje Igor compreenda seu trabalho nas redes e fora delas como algo muito maior do que aparenta. Para além das pautas de identidade de gênero e orientação sexual, a questão principal é sobre existência, sobre vidas que se transformam.
“E eu tenho isso como uma missão de vida, não sei por quê… Seja o Igor lá atrás, quando viveu um AVC e quase morreu, seja o Igor que se descobriu uma pessoa não binária, ou o que faz drag. Por que não utilizar isso para poder conversar com as pessoas? Não gosto de dizer ‘ensiná-las’, mas de trocar experiências, de modo que elas possam aprender alguma coisa, que sirva de lição. E eu tenho isso, realmente, como uma meta de vida, uma missão”, compartilha o artista.
Entretanto, assim como outros produtores de conteúdo, Igor precisa lidar com o engajamento do público, o que faz com que ele precise abordar outros temas e conteúdos para atingir mais pessoas e conseguir passar as mensagens que ele acredita.
“Mas eu tento sempre que posso ou direta ou indiretamente, introduzir essas pautas e filosofias de vida. Inclusive, acho que nem tudo que cabe a mim cabe a todo mundo, e está tranquilo. Eu falo sobre as minhas vivências e coisas que são importantes para se viver em sociedade. A gente tem que saber diferenciar o social e o que é bom para a gente de uma maneira pessoal”, explica.
E nessa busca pela atenção, a drag Ágata Power acaba ajudando Igor a não passar despercebido nas redes sociais.
Não é só mais uma drag bonita ‘biscoitando’!
Será que existe um look específico para falar de pautas importantes e relevantes? Para Igor, pode ser até usando uma touca de hidratação no cabelo; para Ágata, é sempre bom uma maquiagem, um cabelo colorido, vestido e uma bonita sandália. Independente da imagem que esteja na tela, as redes sociais de Igor mostram que o importante é a mensagem por trás de tudo.
Aparentemente, um homem vestido de mulher, valorizando a beleza de uma roupa e as curvas do corpo, não teria nada de muito relevante a dizer. Mas, tudo muda quando lembramos que o Brasil é o pais que mais mata pessoas transexuais* no mundo, algo que o Igor não é, mas acaba remetendo pela sua imagem. “Acham que é só mais uma drag queen bonita na internet, querendo biscoito, mas, na verdade, não é bem isso. O simples fato de estar ali bonita já é um empoderamento”, reforça o jornalista.
Partindo dessa reflexão, ele começou a fazer o quadro “Exército de Drags”, que consistia em transformar acreanos em drag queens, antes da pandemia. Mas, para Igor, a maquiagem e o desfecho dos vídeos eram só um pretexto para segurar o público, enquanto ele entrevistava os convidados que traziam pautas de dificuldades e superação.
“Todo mundo que participava ou que assistia percebia o quanto aquilo era importante para a própria pessoa que estava participando, como uma terapia. A pessoa voltava algumas vivências e mostrava o quanto ela se sente forte para empoderar outras pessoas, o que, às vezes, ela nem enxergava. E para as pessoas que a assistem também, por se empoderarem com aquele discurso”, recorda Igor.
Vale destacar aqui que a arte drag tem a ver com a performance artística do universo dito feminino. Ou seja, roupas, maquiagens, postura, gestos que remetam às mulheres, mas de forma extravagante e feito com o intuito de se apresentar a algum público, em show, eventos, internet, etc. Incialmente, a arte drag era vivida por homens, mas não há restrição. Drag queen não tem a ver com orientação sexual, um homem heterossexual pode ter uma persona drag, assim como uma mulher também pode.
(*Pessoas transexuais não “se vestem” como outras pessoas, elas sentem que nasceram com o corpo/imagem diferentes do que são. Portanto, não há relação entre transexualidade e a arte drag queen, mas acabam se confundindo em nossa sociedade.).