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Aos 62 anos e 42 de teatro, Dinho Gonçalves estreia performance solo e recorda momentos da trajetória

Dinho Gonçalves em entrevista para o site A Gazeta do Acre. (Foto: Daniel Scarcello)

Os cabelos são grisalhos, mas a camisa estampa os personagens “Cebolinha e Cascão”. Aos 62 anos de idade e 42 de teatro, o artista Dinho Gonçalves comemora a estreia de sua performance solo, “Lepras”, recorda o início de sua trajetória e mostra o quanto a arte lhe dá força e ânimo para continuar nos palcos da vida e dos teatros, é claro. O site A Gazeta do Acre teve a honra de receber o artista que dá a vida ao querido palhaço Tenorino, que vive na memória e no coração de muitos acreanos.

Acreano de coração, Aparecido, ou Dinho, como ficou conhecido, nasceu no interior de São Paulo, na cidade de Canitar, e mudou-se para Sorocaba, um ano depois. Foi lá que ele começou a fazer teatro, aos 19 anos, e onde fez sua primeira “loucura” pela arte, ao pedir demissão da indústria de tecidos que trabalhava como operário. O grupo do qual ele fazia parte teve a oportunidade de fazer uma temporada na capital, e Dinho, com 21 anos, na época, não pensou duas vezes.

“Quando tinha ensaio ou apresentação, no sábado, eu pedia para ser liberado, em troca de dois domingos de serviço. Para ser demitido foi difícil, porque ninguém pede para ser demitido, as pessoas pedem para ser admitidas, eu estava fazendo uma coisa louca! Graças a Deus, eu não passei aperto, trabalhava desde os 12 anos e tinha minha reserva. Mas, a temporada em São Paulo foi… um fiasco!”, diverte-se, enquanto recorda.

Foi após alguns sufocos em São Paulo que ele decidiu visitar o Acre, em junho de 1981, após trocar cartas com o colega artista José Antônio. Em Rio Branco, ele criou o Grupo do Palhaço Tenorino (GPT), em março de 1991, que existe até hoje, com 15 montagens, entre os clássicos “Os Saltimbancos”, “A Menina e o Palhaço” , “Quem é o Rei”, além de trabalhos como “A Feira”, “As Confiadas” e “Lepras”. No grupo, Dinho também é diretor e produtor.

Dinho no espetáculo “Os Saltimbancos”, do GPT.

Foi no Acre que Dinho concebeu uma de suas maiores criações, o Palhaço Tenorino. Como todo artista iniciante, os eventos particulares foram uma das alternativas que ajudaram o ator a construir sua carreira e a conhecer a personagem que seria tão marcante na sua história. Em 1983, o amigo Jorge Carlos (palhaço Trimpulim) o convidou para fazer uma apresentação na Casa de Acolhida Souza Araújo, Dinho faria um palhaço e foi aí que os primeiros traços de Tenorino surgiram em seu rosto.

“O Jorge Carlos me maquiou, me propôs a roupa, calça e blusa colorida, e eu não usava peruca, porque tinha o cabelo muito grande. E falou o nome. ‘Mas por que Tenorino?’, eu perguntei. E ele disse: ‘Porque você canta, você é o tenor infantil’, ele gostava muito”, explica Dinho.

O Palhaço Tenorino no espetáculo “A Menina e o Palhaço”.

Depois dessa apresentação, o palhaço Tenorino começou a marcar presença na maior parte dos aniversários e eventos infantis da cidade, durante as décadas de 1980 e 1990. Hoje o personagem continua nos palcos e no coração de quem já deu várias risadas com ele. “Simplesmente, resolvi parar, não tem um motivo… Mas o Tenorino continua vivo, e eu sinto e reconheço um carinho como artista na cidade, de pessoas que chegam e falam ‘você foi o palhaço da minha infância’, isso me dá uma coisa muito boa”, comenta o artista.

De volta onde tudo começou

 

“Lepras” foi apresentado na Casa de Acolhida Souza Araújo, na II Semana do Teatro em agosto deste ano. (Foto: Elias Oliveira)

Se existe outro lugar onde o Tenorino e o Dinho não deixam de existir é na Casa de Acolhida Souza Araújo, que abriga pessoas com hanseníase. “Foi onde aconteceu o primeiro show, e eu gostei muito, tanto que eu me apaixonei pelo lugar que eu vou até hoje. Não consigo deixar de ir lá, vou, pelo menos, umas sete vezes ao ano”, afirma.

Não por um acaso que o local se tornou inspiração para o mais novo desafio do artista, a solo performance “Lepras”, da qual Dinho é autor e ator. A montagem foi fruto do curso ministrado pela atriz Marilia Bomfim, esposa do artista, e segue a linha do teatro essencial, na qual o ator é o foco da apresentação e do processo criativo.

Em “Lepras”, Dinho faz seu primeiro trabalho sozinho em cena e busca retratar a luta e o preconceito vividos pelas vítimas da hanseníase que acabaram indo morar na Casa Souza Araújo.  “Além de ter uma pegada conteudista muito forte e estética, ele se configura como um grande desafio, depois de 42 anos de teatro e com 62 anos, pois o espetáculo tem 45 minutos e sou eu sozinho. E, quando a peça fala de hanseníase, não fala só de mutilação física, é o abandono que a pessoa sofre, o preconceito e o isolamento”, destaca.

Solo performance retrata a luta e o preconceito vivido pelas vítimas da hanseníase (Foto: Elias Oliveira)

Até o momento, o ator fez três apresentações, sendo a primeira em março deste ano, e uma delas foi realizada na própria Casa, para os abrigados que inspiraram o trabalho. Em breve, o trabalho solo deve entrar em cartaz para o público geral.

“Eu ainda brinco de jogar bola”

Aos 62 anos, Dinho reforça o quanto sua idade não impede seus sonhos e projetos. Com um trabalho solo recém-criado, ele não tem previsão de parar tão cedo. Bem humorado, Dinho mostra que não tem idade para o teatro ou para ser quem quisermos ser.

“Já cheguei na terceira idade, e eu continuo fazendo teatro, isso para mim é uma coisa muito prazerosa (…) Então, eu acho fazer teatro, na minha idade, já não é uma coisa tão comum, e eu pretendo continuar fazendo até… ainda brinco de bola, jogo futebol ruim que só, mas brinco. Eu me sinto orgulhoso de continuar trabalhando e fazendo teatro”, comenta Dinho.

Após o curso de formação e vários outros cursos durante sua carreira, os aprendizados que ele traz sobre o ofício do ator são sobre o corpo e a voz. São temas frequentes em aulas de teatro, mas que, muitas vezes, só são compreendidos com o tempo.

”O corpo precisa estar pronto para eu fazer o que é preciso no trabalho. E sobre a voz é que o que você fala precisa ser entendido pelo outro, é essencial no teatro”, pontua.

Por fim, ele destaca que mais importante ainda é que o artista saiba o motivo de estar no palco e tenha um propósito com seu trabalho. Para Dinho, não importa como a mensagem será transmitida no palco, mas o que será transmitido.

“Eu vou fazer teatro para quê? Acho que essa reflexão o artista deve fazer. Não que a gente vá mudar o mundo, mas, no ‘Lepras’, por exemplo, quero que a pessoa fique incomodada, que goste, não goste… mas que goste do assunto e fale ‘nossa, isso é revoltante, precisa ser mudado’, comenta.

Esperamos que Dinho continue levando seus propósitos para os vários palcos do nosso Estado, proporcionando riso, incômodos, reflexões ou o que mais ele esteja disposto a levar.

Registro das palhaçadas do Tenorino.

Quer saber mais histórias e ouvir cada detalhe do que contamos aqui? Confira a entrevista na íntegra no vídeo abaixo!

Daniel Scarcello: