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“Estamos perdendo centenas e até milhares de animais, inclusive de espécies sequer conhecidas”, alerta biólogo sobre queimadas

(Foto: Acervo pessoal/Luiz Borges)

Estudo internacional publicado, no último dia 1º de setembro, pela revista científica Nature, revela que os incêndios que atingiram a Amazônia, desde 2001, afetaram cerca de 95,5% das espécies de plantas e animais vertebrados conhecidas em todo o bioma. Neste Dia da Amazônia, a reportagem do site A Gazeta do Acre conversou com especialistas para entender qual o real prejuízo à fauna e flora no Estado do Acre e, principalmente, o que ainda pode ser feito para reparar os danos ambientais.

A publicação da revista Nature aponta que o fogo na Amazônia causado pela ação humana, nos últimos 20 anos, já afetou o habitat de 85,2% das espécies de plantas e animais ameaçados de extinção. São 64% do habitat de espécies não ameaçadas de extinção; 53, das 55 espécies de mamíferos ameaçadas de extinção; 5, das 9 espécies de répteis ameaçadas de extinção; 95, das 107 espécies de anfíbios ameaçadas de extinção e 236, das 264 espécies de plantas ameaçadas de extinção.

No Acre, no entanto, não há dados precisos para se mensurar estes danos. Embora esteja situado em uma área onde se concentra umas das maiores biodiversidades do planeta (sudoeste da Amazônia, que abrange o sul do Amazonas, Acre, e os países Peru e Bolívia), pouco dessa biodiversidade é conhecida, gerando, portanto, grandes lacunas de conhecimento sobre esta região.

O biólogo Luiz Borges, doutor em Ecologia, assistente de projetos da Organização Não Governamental SOS Amazônia, Projeto Brigadas Amazônia da SOS Amazônia, esclarece que, desta biodiversidade, há cerca de 151 espécies de anfíbios, 118 espécies de répteis, 400 espécies de peixes, 720 espécies de aves, mais de 210 espécies de mamíferos, e os número só crescem a cada ano. Apesar de serem bons indicadores, acredita-se que o número real de espécies seja infinitamente maior, considerando que ao menos uma nova espécie é descoberta, anualmente, sem contar aquelas que ainda não foram estudadas ou exploradas por biólogos.

De acordo com Borges, ao longo dos anos, pouca atenção foi dada para os animais silvestres em situações como esta. Ele exemplifica que há cerca de 10 anos, não se ouvia falar, por exemplo, em onças sendo resgatadas com patas queimadas ou antas encontradas com o corpo queimado.

“Apenas de 2018 para os dias atuais, nós voltamos para esse ponto tão delicado, e não temos dados concisos e confiáveis publicados, mas posso adiantar que algumas espécies de cada grupo são afetadas de formas distintas. Imagine, por exemplo, a capacidade de deslocamento de uma ave, em comparação com uma preguiça. Quem tem mais chance de fugir de uma situação de fogo? A preguiça, você diria, mas também imagine um casal de casal de araras no seu ninho, tentando salvar seu filhote que ainda não sabe voar. Os impactos são distintos e ainda não mensurados, mas são desastrosos. Os espécimes podem ser queimados, ficar desnorteados, intoxicados com imensa inalação de fumaça, podem ou não sobreviverem”, explica Borges que alerta:

“Estamos perdendo centenas e até milhares de animais, inclusive de espécies sequer conhecidas”, Luiz Borges, Doutor em Ecologia.

Alouatta puruensis - Guariba (Foto: Acervo pessoal/Luiz Borges)
Celeus torquatus (Foto: Acervo pessoal/Luana Alencar)
Brachybalga albogularis (Foto: Acervo pessoal/Luana Alencar)

Mudanças climáticas

Rio Acre está em nível crítico (Foto: Angela Peres/Arquivo)

Estudo divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que o agravamento da crise climática afetará, especialmente, a região amazônica, com cada dia menos chuvas e altas temperaturas, este último fator, que já vem sendo sentido pelos acreanos. Em agosto, por exemplo, foi registrado recorde de calor no Acre para o ano de 2021, com 39ºC, no Parque Estadual do Chandless, no dia 24.

O rio Acre, por sua vez, segue em nível crítico e coloca a Defesa Civil em alerta máximo, inclusive, na capital acreana, a prefeitura decretou situação de emergência na zona rural. São fatores que, somados, trazem grande prejuízo ambiental e à saúde humana.

Segundo Ricardo Plácido, biólogo e mestre em Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia, as queimadas contribuem com emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, que, por sua vez, são apontados pelos cientistas como causadores das mudanças climáticas ao longo dos tempos.

“Sabe-se que eventos extremos, como secas severas, vem sendo cada vez mais frequentes, nas últimas duas décadas pelo menos. Muitas árvores e plantas, em geral, sejam elas utilizadas na alimentação humana, inclusive, dependem de regime de chuvas e sazonalidade para seus desenvolvimentos. Então, o impacto na flora está sim relacionada a uma seca severa, aliada às queimadas, pois um evento climático de seca pode alterar a fenologia da planta e fazê-la florar fora de época, por exemplo, alterando seu ciclo”, destaca Ricardo, acrescentado, no entanto, que são informações que precisam, cada vez mais, de estudos que demonstrem ao longo do tempo essa relação direta.

Recuperação de áreas queimadas é desafio

Neste ano, de acordo com dados do Inpe, o mês de agosto registrou o maior pico de queimadas no ano, com 3.185 focos (Foto: Sérgio Vale)

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontam que, em 2021, já foram registrados 3.933 focos ativos detectados pelo satélite de referência, com principal concentração no mês de agosto. Para a população em geral, o impacto pode ser sentido, principalmente, através do aumento de casos de doenças respiratórias, mas, para os animais, além de sofrerem com as queimadas, muitos correm o risco de desaparecerem e, no caso da vegetação, a renovação das áreas pode levar mais de cem anos, dependendo da espécie, segundo estudos.

O doutor em Ecologia Luiz Borges reforça que, além do trabalho inicial do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por meio do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), que realiza o resgate de animais e após recuperados são devolvidos à natureza, é preciso recuperar as áreas desmatadas, promover a proteção das Áreas de Proteção Permanentes (margens de rios, igarapés etc.), entretanto, reitera ele, “o ideal seria reduzir o avanço do desmatamento ilegal e desenfreado, empregar uma fiscalização mais efetiva e claro educação ambiental de toda sociedade”.

Ricardo Plácido reitera que, dependendo do local e habitat, um incêndio pode extinguir espécies que possuam baixa densidade populacional, ou seja, se a população já é pequena daquela espécie, uma queimada numa floresta que tenha poucos indivíduos daquela espécie na região, pode efetivamente extingui-la do local.

“Se não houver conectividade daquela área com outras áreas naturais que tenham indivíduos daquela espécie que possam repovoar depois a área afetada pela queimada, dificilmente aquela espécie voltará a existir na região. Por isso, falar em recuperação é mais voltado para espécies com grande densidade populacional que possam depois repovoar a área afetada quando está se regenerar. Todavia, habitat destruído é a principal grande causa de extinção de espécies no mundo todo. Por isso, o ideal é a prevenção. Evitar antecipadamente que o incêndio ocorra na área, pois os danos podem ser irreversíveis a depender da espécie”, explica Plácido.

O especialista destaca que as espécies com pouca mobilidade são as mais afetadas. E mesmo as que possuem mais mobilidade como as aves, podem não conseguir chegar em outras áreas, caso estas sejam muito longe por exemplo.

“Outro fator é que o fogo desnorteia qualquer espécie de fauna que pode morrer, inclusive, tentando fugir ao não encontrar local apropriado (habitat) que possa lhe abrigar. E mesmo encontrando a espécie pode ter que competir por recursos com as espécies que já estavam habitando o local antes”, conta.

Prejuízo à economia

Outro ponto que os especialistas ressaltam é o impacto direto nas atividades econômicas locais, considerando a importância do extrativismo para o Estado do Acre.

De acordo com Wendeson Castro, biólogo, coordenador de projeto e pesquisador pelo Projeto Brigadas Amazônia da Organização Não Governamental SOS Amazônia, com o alto índice de queimadas, o impacto para as famílias acreanas que têm no extrativismo sua forma de subsistência é difícil de ser mensurado.

“O impacto para as famílias é muito grande. Nós não sabemos, por exemplo, quanto estamos queimando de biodiversidade. No Brasil, a cada dois dias é descrita uma nova espécie para a Ciência e, dentre as espécies que nós conhecemos, no Brasil, em torno de 40 mil espécies, algumas delas, como castanheiras e seringueiras são usadas para as atividades econômicas, mas uma boa parte das outras espécies, que tem uso que a gente ainda está por quantificar em termos de valor da floresta, é totalmente desconhecido, e outro fator, é que a gente está queimando espécies novas”, explica Castro.

“O fato é que se isso ocorre, pode rebater diretamente na atividade econômica de coleta e extração de produtos oriundos de extrativismo florestal. Outra situação diz respeito à agricultura familiar de subsistência, que pode ser afetada também com perda de safra e, se uma queimada perde o controle, pode pôr em risco, inclusive, roçados de subsistência. A depender da espécie, e da intensidade da queimada ou incêndio pode-se ter danos irreparáveis em relação à flora. A floresta pode até se regenerar, mas algumas espécies podem nunca mais se recuperar”, diz Ricardo Plácido.

Além disso, Ricardo Plácido destaca que florestas onde houve corte de madeira, por manejo legal ou não, ficam mais suscetíveis a queimadas, pois essas atividades formam mais clareiras que o normal e mexem com a resiliência e resistência daquela floresta em relação a esses eventos antrópicos. “Na Amazônia, não é comum incêndios naturais, portanto a maioria das queimadas na Amazônia são causas humanas”, finaliza, acrescentando, por fim, a citação de Primack, R.B & Rodrigues, E. Biologia da Conservação, 2001:

A diversidade das espécies no mundo pode ser comparada a um manual sobre como manter a Terra funcionando eficazmente. A perda de uma espécie é como rasgar uma das páginas deste manual. Se um dia precisarmos de informações contidas nessa página para nos salvar e salvar as outras espécies da Terra, descobriremos que esta foi uma perda irreparável.

*Para a produção desta reportagem, A Gazeta do Acre contou com apoio da rede de biólogos composta por Ricardo Plácido, Mestre em Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia; Biólogo e mestre em Luiz Borges, Biólogo, Dr. em Ecologia, assistente de projetos SOS Amazônia, Projeto Brigadas Amazônia da SOS Amazônia; Mestre Wendeson Castro, Biólogo, coordenador de projeto e pesquisador; Projeto Brigadas Amazônia da SOS Amazônia; Mestre Luana Alencar Lima, Bióloga, Colaboradora do Laboratório de Ornitologia da Universidde Federal do Acre; Rodrigo Gomes, Biólogo, Mestrando em Ecologia e Mateus Brito, Biólogo-Herpetólogo.
Flautim-rufo Rufous Twistwing Cnipodectes superrufus Rio Branco, Acre-Brasil | Rara espécie recém descrita para a ciência em 2007 no Peru. No Brasil habita os tabocais (bambus nativos) do leste do Acre. Classificada como vulnerável a extinção segundo a IUCN, devido principalmente à sua baixa densidade populacional. (Foto: Cedida/Ricardo Plácido)more
Pouco conhecida no Brasil, a sanã-de-cabeça-castanha (Anurolimnas castaneiceps) trata-se de uma rara espécie em território brasileiro (estado do Acre). É um notável endemismo da Amazônia ocidental. Por ser uma ave terrestre que vive em vegetação fechada e não se expõe em céu aberto, essa espécie é muito vulnerável se houver uma queimada. (Foto: Cedida/Ricardo Plácido)more
Sagui-de-goeldi ou taboqueiro (Acre) | Goeldi's Monkey or Goeldi's Tamarin Callimico goeldii é um raro primata monotípico, ou seja, único representante do gênero. Possui distribuição geográfica bem restrita no Brasil onde ocorre no Acre, sudoeste do Amazonas e noroeste de Rondônia. Embora não seja uma espécie alvo de caça está classificado como Vulnerável pela IUCN (Foto: Cedida/Ricardo Plácido)more
(Foto: Cedida/Ricardo Plácido)
Tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla) (Foto: Cedida/Ricardo Plácido)
Cutia ou cutia-preta Black Agouti Dasyprocta fuliginosa (Foto: Cedida/Ricardo Plácido)
(Foto: Acervo pessoal/Luiz Borges)

Estudo internacional publicado, no último dia 1º de setembro, pela revista científica Nature, revela que os incêndios que atingiram a Amazônia, desde 2001, afetaram cerca de 95,5% das espécies de plantas e animais vertebrados conhecidas em todo o bioma. Neste Dia da Amazônia, a reportagem do site A Gazeta do Acre conversou com especialistas para entender qual o real prejuízo à fauna e flora no Estado do Acre e, principalmente, o que ainda pode ser feito para reparar os danos ambientais.

A publicação da revista Nature aponta que o fogo na Amazônia causado pela ação humana, nos últimos 20 anos, já afetou o habitat de 85,2% das espécies de plantas e animais ameaçados de extinção. São 64% do habitat de espécies não ameaçadas de extinção; 53, das 55 espécies de mamíferos ameaçadas de extinção; 5, das 9 espécies de répteis ameaçadas de extinção; 95, das 107 espécies de anfíbios ameaçadas de extinção e 236, das 264 espécies de plantas ameaçadas de extinção.

No Acre, no entanto, não há dados precisos para se mensurar estes danos. Embora esteja situado em uma área onde se concentra umas das maiores biodiversidades do planeta (sudoeste da Amazônia, que abrange o sul do Amazonas, Acre, e os países Peru e Bolívia), pouco dessa biodiversidade é conhecida, gerando, portanto, grandes lacunas de conhecimento sobre esta região.

O biólogo Luiz Borges, doutor em Ecologia, assistente de projetos da Organização Não Governamental SOS Amazônia, Projeto Brigadas Amazônia da SOS Amazônia, esclarece que, desta biodiversidade, há cerca de 151 espécies de anfíbios, 118 espécies de répteis, 400 espécies de peixes, 720 espécies de aves, mais de 210 espécies de mamíferos, e os número só crescem a cada ano. Apesar de serem bons indicadores, acredita-se que o número real de espécies seja infinitamente maior, considerando que ao menos uma nova espécie é descoberta, anualmente, sem contar aquelas que ainda não foram estudadas ou exploradas por biólogos.

De acordo com Borges, ao longo dos anos, pouca atenção foi dada para os animais silvestres em situações como esta. Ele exemplifica que há cerca de 10 anos, não se ouvia falar, por exemplo, em onças sendo resgatadas com patas queimadas ou antas encontradas com o corpo queimado.

“Apenas de 2018 para os dias atuais, nós voltamos para esse ponto tão delicado, e não temos dados concisos e confiáveis publicados, mas posso adiantar que algumas espécies de cada grupo são afetadas de formas distintas. Imagine, por exemplo, a capacidade de deslocamento de uma ave, em comparação com uma preguiça. Quem tem mais chance de fugir de uma situação de fogo? A preguiça, você diria, mas também imagine um casal de casal de araras no seu ninho, tentando salvar seu filhote que ainda não sabe voar. Os impactos são distintos e ainda não mensurados, mas são desastrosos. Os espécimes podem ser queimados, ficar desnorteados, intoxicados com imensa inalação de fumaça, podem ou não sobreviverem”, explica Borges que alerta:

“Estamos perdendo centenas e até milhares de animais, inclusive de espécies sequer conhecidas”, Luiz Borges, Doutor em Ecologia.

Alouatta puruensis - Guariba (Foto: Acervo pessoal/Luiz Borges)
Celeus torquatus (Foto: Acervo pessoal/Luana Alencar)
Brachybalga albogularis (Foto: Acervo pessoal/Luana Alencar)

Mudanças climáticas

Rio Acre está em nível crítico (Foto: Angela Peres/Arquivo)

Estudo divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que o agravamento da crise climática afetará, especialmente, a região amazônica, com cada dia menos chuvas e altas temperaturas, este último fator, que já vem sendo sentido pelos acreanos. Em agosto, por exemplo, foi registrado recorde de calor no Acre para o ano de 2021, com 39ºC, no Parque Estadual do Chandless, no dia 24.

O rio Acre, por sua vez, segue em nível crítico e coloca a Defesa Civil em alerta máximo, inclusive, na capital acreana, a prefeitura decretou situação de emergência na zona rural. São fatores que, somados, trazem grande prejuízo ambiental e à saúde humana.

Segundo Ricardo Plácido, biólogo e mestre em Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia, as queimadas contribuem com emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, que, por sua vez, são apontados pelos cientistas como causadores das mudanças climáticas ao longo dos tempos.

“Sabe-se que eventos extremos, como secas severas, vem sendo cada vez mais frequentes, nas últimas duas décadas pelo menos. Muitas árvores e plantas, em geral, sejam elas utilizadas na alimentação humana, inclusive, dependem de regime de chuvas e sazonalidade para seus desenvolvimentos. Então, o impacto na flora está sim relacionada a uma seca severa, aliada às queimadas, pois um evento climático de seca pode alterar a fenologia da planta e fazê-la florar fora de época, por exemplo, alterando seu ciclo”, destaca Ricardo, acrescentado, no entanto, que são informações que precisam, cada vez mais, de estudos que demonstrem ao longo do tempo essa relação direta.

Recuperação de áreas queimadas é desafio

Neste ano, de acordo com dados do Inpe, o mês de agosto registrou o maior pico de queimadas no ano, com 3.185 focos (Foto: Sérgio Vale)

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontam que, em 2021, já foram registrados 3.933 focos ativos detectados pelo satélite de referência, com principal concentração no mês de agosto. Para a população em geral, o impacto pode ser sentido, principalmente, através do aumento de casos de doenças respiratórias, mas, para os animais, além de sofrerem com as queimadas, muitos correm o risco de desaparecerem e, no caso da vegetação, a renovação das áreas pode levar mais de cem anos, dependendo da espécie, segundo estudos.

O doutor em Ecologia Luiz Borges reforça que, além do trabalho inicial do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por meio do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), que realiza o resgate de animais e após recuperados são devolvidos à natureza, é preciso recuperar as áreas desmatadas, promover a proteção das Áreas de Proteção Permanentes (margens de rios, igarapés etc.), entretanto, reitera ele, “o ideal seria reduzir o avanço do desmatamento ilegal e desenfreado, empregar uma fiscalização mais efetiva e claro educação ambiental de toda sociedade”.

Ricardo Plácido reitera que, dependendo do local e habitat, um incêndio pode extinguir espécies que possuam baixa densidade populacional, ou seja, se a população já é pequena daquela espécie, uma queimada numa floresta que tenha poucos indivíduos daquela espécie na região, pode efetivamente extingui-la do local.

“Se não houver conectividade daquela área com outras áreas naturais que tenham indivíduos daquela espécie que possam repovoar depois a área afetada pela queimada, dificilmente aquela espécie voltará a existir na região. Por isso, falar em recuperação é mais voltado para espécies com grande densidade populacional que possam depois repovoar a área afetada quando está se regenerar. Todavia, habitat destruído é a principal grande causa de extinção de espécies no mundo todo. Por isso, o ideal é a prevenção. Evitar antecipadamente que o incêndio ocorra na área, pois os danos podem ser irreversíveis a depender da espécie”, explica Plácido.

O especialista destaca que as espécies com pouca mobilidade são as mais afetadas. E mesmo as que possuem mais mobilidade como as aves, podem não conseguir chegar em outras áreas, caso estas sejam muito longe por exemplo.

“Outro fator é que o fogo desnorteia qualquer espécie de fauna que pode morrer, inclusive, tentando fugir ao não encontrar local apropriado (habitat) que possa lhe abrigar. E mesmo encontrando a espécie pode ter que competir por recursos com as espécies que já estavam habitando o local antes”, conta.

Prejuízo à economia

Outro ponto que os especialistas ressaltam é o impacto direto nas atividades econômicas locais, considerando a importância do extrativismo para o Estado do Acre.

De acordo com Wendeson Castro, biólogo, coordenador de projeto e pesquisador pelo Projeto Brigadas Amazônia da Organização Não Governamental SOS Amazônia, com o alto índice de queimadas, o impacto para as famílias acreanas que têm no extrativismo sua forma de subsistência é difícil de ser mensurado.

“O impacto para as famílias é muito grande. Nós não sabemos, por exemplo, quanto estamos queimando de biodiversidade. No Brasil, a cada dois dias é descrita uma nova espécie para a Ciência e, dentre as espécies que nós conhecemos, no Brasil, em torno de 40 mil espécies, algumas delas, como castanheiras e seringueiras são usadas para as atividades econômicas, mas uma boa parte das outras espécies, que tem uso que a gente ainda está por quantificar em termos de valor da floresta, é totalmente desconhecido, e outro fator, é que a gente está queimando espécies novas”, explica Castro.

“O fato é que se isso ocorre, pode rebater diretamente na atividade econômica de coleta e extração de produtos oriundos de extrativismo florestal. Outra situação diz respeito à agricultura familiar de subsistência, que pode ser afetada também com perda de safra e, se uma queimada perde o controle, pode pôr em risco, inclusive, roçados de subsistência. A depender da espécie, e da intensidade da queimada ou incêndio pode-se ter danos irreparáveis em relação à flora. A floresta pode até se regenerar, mas algumas espécies podem nunca mais se recuperar”, diz Ricardo Plácido.

Além disso, Ricardo Plácido destaca que florestas onde houve corte de madeira, por manejo legal ou não, ficam mais suscetíveis a queimadas, pois essas atividades formam mais clareiras que o normal e mexem com a resiliência e resistência daquela floresta em relação a esses eventos antrópicos. “Na Amazônia, não é comum incêndios naturais, portanto a maioria das queimadas na Amazônia são causas humanas”, finaliza, acrescentando, por fim, a citação de Primack, R.B & Rodrigues, E. Biologia da Conservação, 2001:

A diversidade das espécies no mundo pode ser comparada a um manual sobre como manter a Terra funcionando eficazmente. A perda de uma espécie é como rasgar uma das páginas deste manual. Se um dia precisarmos de informações contidas nessa página para nos salvar e salvar as outras espécies da Terra, descobriremos que esta foi uma perda irreparável.

*Para a produção desta reportagem, A Gazeta do Acre contou com apoio da rede de biólogos composta por Ricardo Plácido, Mestre em Gestão de Áreas Protegidas na Amazônia; Biólogo e mestre em Luiz Borges, Biólogo, Dr. em Ecologia, assistente de projetos SOS Amazônia, Projeto Brigadas Amazônia da SOS Amazônia; Mestre Wendeson Castro, Biólogo, coordenador de projeto e pesquisador; Projeto Brigadas Amazônia da SOS Amazônia; Mestre Luana Alencar Lima, Bióloga, Colaboradora do Laboratório de Ornitologia da Universidde Federal do Acre; Rodrigo Gomes, Biólogo, Mestrando em Ecologia e Mateus Brito, Biólogo-Herpetólogo.
Flautim-rufo Rufous Twistwing Cnipodectes superrufus Rio Branco, Acre-Brasil | Rara espécie recém descrita para a ciência em 2007 no Peru. No Brasil habita os tabocais (bambus nativos) do leste do Acre. Classificada como vulnerável a extinção segundo a IUCN, devido principalmente à sua baixa densidade populacional. (Foto: Cedida/Ricardo Plácido)more
Pouco conhecida no Brasil, a sanã-de-cabeça-castanha (Anurolimnas castaneiceps) trata-se de uma rara espécie em território brasileiro (estado do Acre). É um notável endemismo da Amazônia ocidental. Por ser uma ave terrestre que vive em vegetação fechada e não se expõe em céu aberto, essa espécie é muito vulnerável se houver uma queimada. (Foto: Cedida/Ricardo Plácido)more
Sagui-de-goeldi ou taboqueiro (Acre) | Goeldi's Monkey or Goeldi's Tamarin Callimico goeldii é um raro primata monotípico, ou seja, único representante do gênero. Possui distribuição geográfica bem restrita no Brasil onde ocorre no Acre, sudoeste do Amazonas e noroeste de Rondônia. Embora não seja uma espécie alvo de caça está classificado como Vulnerável pela IUCN (Foto: Cedida/Ricardo Plácido)more
(Foto: Cedida/Ricardo Plácido)
Tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla) (Foto: Cedida/Ricardo Plácido)
Cutia ou cutia-preta Black Agouti Dasyprocta fuliginosa (Foto: Cedida/Ricardo Plácido)
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Agnes Cavalcante: