Da série de combates que aconteceram durante a Revolução Acreana, de agosto de 1902 a janeiro de 1903, dois aconteceram em Rio Branco – na época, Volta da Empreza-, de 5 a 15 de outubro, e terminaram com a rendição das tropas bolivianas ao coronel Plácido de Castro, que comandava a tropa brasileira do Acre. Foram dez dias marcados pelo enfrentamento a intempéries, como as intensas chuvas do período, e possíveis acontecimentos não registrados pela história oficial, mas que são revelados pelo historiador Marcos Vinícius Neves, 119 anos depois.
“Era mês de outubro e já tinham começado as primeiras chuvas, que não são poucas nesse período do ano até hoje, e, com as chuvas, as trincheiras viravam um lamaçal doido, e a troca de tiros começava a fazer vítimas. Em algumas, inclusive, feridos ou mortos não conseguiam nem ser retirados. Em certos lugares, há conversas de que as trincheiras alagadas com cadáveres dentro tornavam as condições do combate ainda mais difíceis de ambos os lados. O combate começou a se estender por dias debaixo de chuva e nada indicava que o combate pudesse se definir para um lado ou para o outro.”, conta.
Dos possíveis acontecimentos não registrados pela história oficial e narrados pelo historiador, pelo menos dois chamam a atenção. Marcos Vinícius revela a estratégia que Plácido de Castro teria utilizado, na véspera do último dia de combate, marcado pela rendição dos bolivianos, e o não cumprimento de um dos termos acordados ao final do combate: a garantia de que os bolivianos teriam sua integridade física preservada no retorno à Bolívia.
“O combate já estava no nono dia. Todo mundo cansado, esgotado, ferido e o barracão do Seringal Empreza, na margem esquerda do rio Acre, foi transformado em hospital. Os feridos todos eram levados para lá a salvo de surpresa dos bolivianos e nada de se definir. Dizem, então, que aí o Plácido e os brasileiros decidiram lançar um boato nas trincheiras de que no dia seguinte, no décimo dia, seria feito o ataque final dos brasileiros contra os bolivianos, mas que não usariam armas de fogo.”, enfatiza.
A ideia, segundo ele, era causar medo nas tropas inimigas, espalhando que, numa demonstração de coragem, o ataque se daria somente com armas brancas. “Eram as famosas peixeiras dos nordestinos brasileiros, que os bolivianos tanto temiam. Isso espalhou o terror nas trincheiras bolivianas, que, quando souberam dessa notícia, tiveram uma longa noite de expectativa e medo, até que ao amanhecer do décimo dia, 15 de outubro de 1902. Foi uma surpresa para os brasileiros ao verem, pela manhã, que, no acampamento boliviano, tremulavam bandeiras brancas, em sinal de trégua, que era a rendição das forças bolivianas, depois de 10 dias de longos combates.”, relata.
Com a rendição dos bolivianos, revela-se outro possível fato não registrado, segundo o historiador. “Plácido de Castro, então, vai ao encontro do comandante boliviano, e eles assinam os termos de rendição, quando fica garantido que os bolivianos vão entregar as armas e vão ser enviados de volta para a Bolívia, a partir de Manaus, com a integridade garantida dos combatentes e oficiais. Uma lenda, porém, conta que não foi bem assim. Dizem que alguns bolivianos foram enforcados, pendurados na mesma Gameleira que a gente conhece como marco de fundação do povoado do Seringal Volta da Empreza, e depois cidade de Rio Branco.”, salienta.
Pio Nazário, o “pisa nas asas”
Antes da rendição dos bolivianos, o combate permanecia muito equilibrado, de acordo com Marcos Vinícius. “Tanto que foi dando um desespero, conforme os dias iam passando, 7 ou 8 dias, e os bolivianos não se rendiam e nem os brasileiros conseguiam avançar em direção ao acampamento das tropas bolivianas. Foi quando um homem chamado Pio Nazário, negro e baixinho, teve a ideia de lançar bombas incendiárias sobre o acampamento boliviano, e aí todo mundo ficou mangando da cara dele, porque, para poder lançar o coquetel, ele tinha que chegar pertinho, e iria levar tiro, ou seja, não tinha como ele fazer isso com sucesso, e aí ele ficou brabo e falou que iria mostrar que conseguiria. Preparou a bomba, acendeu e dizem que ele corria tanto em direção ao acampamento boliviano, que pegou todo mundo de surpresa.”.
Pio Nazário, segundo Vinícius, arremessou a bomba e teve sucesso ao incendiar uma parte do acampamento boliviano. “Por conta dessa façanha, os demais brasileiros passaram a chamá-lo de ‘pisa nas asas’ como se ele tivesse asas nos pés, e o interessante porque marca a participação negra no combate. Pio Nazário hoje é o nome de uma rua em Xapuri. Ele é considerado um dos grandes combatentes do combate da Volta Empreza.”, salienta.
Resquícios sob o Colégio Imaculada Conceição
De uma maneira ou de outra, comenta Marcos Vinícius, o oficial é que, dez dias depois, Plácido venceu o segundo grande combate da Volta da Empreza, ocorrido ali próximo de onde hoje é o Colégio Imaculada Conceição, ou Cnec. “E dizem que quando a escola foi construída, ao serem cavadas as fundações do prédio, ainda se encontraram cadáveres e restos de armas dos combatentes. A partir daí, os brasileiros do exército revolucionário do Acre passaram a dominar Mariscal Sucre, Xapuri e Volta da Empreza, e era hora de continuar a guerra, que seguiria ainda até janeiro de 1903, quando findou a Revolução Acreana.”, concluiu.