“O rio da Liberdade devia se chamar rio da escravidão”. É uma frase comum de se ouvir especialmente de moradores mais antigos do rio Liberdade, afluente do Juruá atravessado pela BR 364 cerca de 100 kms de Cruzeiro do Sul. Os moradores mais antigos fazem referência ao sistema da borracha que vigorou até a década de 90.
“Era análogo à escravidão. O seringueiro arriscava a vida cortando seringa e só podia vender e comprar de um único patrão, que comprava barato e vendia caro”, explica Albecir Brito, atual coordenador de ensino da Escola Estadual Joaquim Nogueira, localizada na comunidade Periquito.
“O filho do patrão ia estudar em Cruzeiro do Sul, Rio Branco ou Manaus enquanto o filho do seringueiro começava a cortar seringa com sete oito anos de idade e nunca mais ia ter outra oportunidade de estudo”, conta Albecir.
Para o educador que tem uma vida dedicada ao ensino no rio Liberdade, a impossibilidade de escolha da educação aproxima a vida do seringueiro a de um servo ou escravo.
Albecir é um dos idealizadores do projeto que resultou no livro “A Voz do Liberdade”, que busca agora apoio financeiro para o seu lançamento.
A secretaria municipal de cultura de Cruzeiro do Sul já se comprometeu em ceder o espaço e aparelho de som no auditório da UNB, contudo, a intenção dos idealizadores é realizar o lançamento nas localidades Periquito e Morro da Pedra, no próprio rio Liberdade. O objetivo é prestigiar assim os próprios autores das histórias contadas no livro.
“Nosso objetivo foi dar a voz, ou seja, conferir a autoria aos próprios moradores”, explica Karla Sessin-Dilascio do Instituto Fronteiras, sediado em Cruzeiro do Sul, que apoia o projeto dos moradores.
A maior parte dos relatos foi colhido entre os moradores mais antigos e busca resgatar os últimos 60 anos de história de ocupação da região.
“É um grito de liberdade”, completa Albecir. Ciente de que boa parte da população de Cruzeiro do Sul desconhece completamente esta história dos moradores do Liberdade, Albecir tem a esperança de que esta história seja melhor conhecida, e sobretudo contada nas treze escolas do rio Liberdade.
“Nós de fato temos essa expectativa de que o livro venha a ser adotado especialmente nas escolas do rio Liberdade, porque é uma maneira das pessoas tomarem conhecimento da história do lugar onde vivem, do que passaram seus pais e avós. Isso gera consciência, muda a mentalidade e uma pessoa que conhece sua história é capaz de se projetar no tempo e no espaço com um grau de assertividade muito maior”, explica.
A maior parte dos moradores da Reserva Extrativista do rio Liberdade vive da produção comercial da farinha de mandioca e pratica o extrativismo vegetal, caça e coleta como meio de subsistência. Até hoje falharam as tentativas de retomar a produção extrativista da borracha na região.
Segundo Albecir, esse fracasso se explica em parte pela memória negativa dos moradores em relação ao ‘tempo da seringa’. “Além do preço muito baixo, que não compensava o trabalho, as pessoas entendiam isso (de retomar a produção extrativista de borracha), como uma volta no tempo, uma volta no tempo da escravidão”, conclui.
Essas e outras histórias que fazem parte de Cruzeiro do Sul e região, são contadas no livro “A Voz do Liberdade”.
Quem desejar contribuir com o apoio financeiro ao lançamento, pode fazê-lo aqui.