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Dormindo em berço esplêndido 

(Foto: Arquivo pessoal)

Mais um tema angustiante vem à tona. E ninguém está tão certo de que ainda seja necessário se intrometer tanto. Mas vamos e venhamos. O nosso estado de coisas é tão agudo e às vezes tão deplorável que alguém tem que bater forte, com o martelo agalopado, neste chão amazônico, senão muitos serão aqueles que, por falta de informação, não saberão exatamente o que nos conduz de volta a este atraso histórico herdado de uma colonização que não queria mais que daqui arrancar pau-brasil e ouro e cana-de-açúcar e borracha e petróleo, e sangue de escravos, dentre tantos.

É preciso deixar claro aos nossos descendentes de portugueses que aqueles que por aqui chegaram a partir do final do século XIX vinham imbuídos, na sua superior maioria, de propósitos dignificantes, sim. Gente ordeira e dada ao trabalho, certamente. Até eu conheci alguns, em Xapuri, como os Galos, os Mortes, os Costas, os Gomes Fonseca e outros mais.

Todavia, a bem da verdade, foi uma desventura para nós – índios – que a calmaria tivesse findado por jogar as naus do Pedro Álvares neste litoral até então abençoado por Deus. Bem poderíamos ter outra sorte mas, pelo menos, nos livramos dos espanhóis sicários e ladrões que baniram os incas da face da terra. E erramos, sim, porque uma boa aliança poderia ter sido feita com os holandeses comandados pelo João Maurício de Nassau, aquele que fez o boi voar. Eles tinham boas intenções e os rastos das suas grandes obras ainda hoje podem ser vistos no Recife.

Por que os ingleses não fundaram as treze colônias aqui, bem aqui? E nós hoje estaríamos ao nível da Suécia, ou da Dinamarca, em termos de desenvolvimento social. D. Manoel, no quinhentos, mandou para o Brasil a escória da sociedade portuguesa. Os que vieram dar início à destruição da Mata Atlântica, derrubando o pau-brasil, eram malfeitores condenados ao desterro no além-mar por crimes que iam do mero roubo ao assassinato em série.

No início do oitocentos, foi a vez de D. João VI, o rei medroso que, com a mãe Maria, a Doida, veio aqui escapar de um imperador maricas de nome Napoleão Bonaparte. Com eles, veio uma comandita de puxa-sacos e pândegos, ditos fidalgos, que sequer sabiam ler, não ajudaram em nada, mas viviam refestelados, comendo e bebendo do bom e do melhor, e vivendo no aconchego que o trabalho dos nossos índios e escravos podia patrocinar.

É por obra e graça destes primeiros lusitanos que temos ficado no atraso, à mercê da pouca sorte.

Numa referência ao fado de Chico Buarque, esta terra não vai cumprir um ideal que não é nosso e não há de tornar-se um imenso Portugal. Todavia, eles não mais produzem apenas vinho e azeite. Deles, o mundo já não conhece apenas o Saramago, o Fernando Pessoa e o Cristiano Ronaldo. Enfim, enquanto país socialista, eles conseguiram se desenvolver e muito bem.

Por muito mais que isto e pelo atraso cultural a que ficamos relegados, repito o que escreveu Monteiro Lobato: quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê e apanha mais que os demais, porque lhe pagam um salário mínimo irrisório que mal dá para cair morto porque vivo se cai em qualquer lugar.

Depois dessas rasantes sazonais portuguesas, volto à terra querida e insisto solenemente. Fico seriamente abespinhado, quase doente, ao ver o agente do serviço público roubar o meu pé de pinheiro e não querer devolvê-lo a pretexto de que aquilo que não é meu nem é seu é nosso, isso, só porque o vegetal não estava plantado no meu terreiro, mas num logradouro abandonado que ainda tento transformá-lo num local aprazível, assim que a municipalidade queira ver com bons olhos os meus propósitos.

É oportuno reiterar, certamente. Transtorna-me e me deixa deveras agastado o fato de a gasolina ser vendida, na triste vizinha Bolívia, sem adição de álcool, a um custo que significa bem menos da metade do que pago, aqui, com adição de álcool. Oh, não, senhores! Por estes e por outros motivos, sempre torpes e cheios de dedos sujos, eu não comprarei mais gasolina à vista; só no cartão.

E o etanol, o novo nome do álcool? Os mais argutos já observaram que os preços nas bombas aumentam com a chegada do período da entressafra da cana. É assim que os usineiros justificam. Mas, com a chegada da safra seguinte, as taxas anteriormente majoradas continuam lá em cima e, hoje, principalmente no Acre, este belo rincão perdido no sopé dos Andes, não compensa usar o produto. Eu já não uso ou nunca usei. E você, cliente amigo, poderia deixar de usar também e o seu vizinho e o seu filho e todos enfim… Assim estaríamos forçando os usineiros a tomarem consciência do tamanho do crime que cometem contra a economia popular.

Às vezes, notadamente quando a idade avança, nós deixamos de passar por crises de identidade. Isso não é coisa de homem, esse animal hoje tão segregado. Passa-se, sim, por crises de indignação e revolta porque tudo nos fica muito mais claro em vista do amadurecimento das carótidas e do uso extensivo dos chás miraculosos que nos aumentam o tempo sobre a terra. Uma glória!

Agora mesmo fico mais uma vez abespinhado, arreliado e com os caroços em choque um contra o outro.

Durante séculos, a humanidade lutou para atravessar o Atlântico. Foram centenas de anos para que os bandeirantes brasileiros chegassem aos recantos mais ocidentais da Pátria, mesmo fazendo como o João Ramalho, o paulista que fez mais de duzentos e quarenta filhos nas índias ao longo dos rios Tietê e Grande.

E agora estão aí os verdadeiros donos da terra – os nossos índios – sendo acossados do seu patrimônio secular por espertalhões e assassinos que estão já concluindo o seu projeto de confisco das terras indígenas.

Os ricos novos donos da terra – em especial a Amazônia – não se incomodam com quem viva ou morra. Importa mesmo é o avanço do capital.

Então, neste trigésimo terceiro aniversário da morte de Chico Mendes, o que nos resta a fazer depois da dizimação dos seringueiros e do extermínio dos índios, é lutar para que, mais uma vez, Xapuri não seja vítima de mais um assassinato ecológico porque, hoje mesmo, forasteiros mato-grossenses estão a invadir os antigos seringais do Vale do Acre.

Socorro, Lula!


*Romancista, cronista, poeta e palestrante. Autor de ANJOS DO SOL POENTE (romance) e DOIS RAIOS DE SOL E MEIO PALMO DE LUA (crônicas), disponíveis pelo 68 99224 7231 (WhatsApp). Membro da Academia Acreana de Letras, Cadeia 27.

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