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Cabo de guerra – arreug ed obaC

Arte: Gabriel Rodrigues

No sábado do dia 09 de abril, estava eu, sentado em uma cadeira de teatro de arena, nem próximo demais, nem longe demais, nem de frente, nem de lado; estava posicionado na fileira diagonal, como uma porta entreaberta. A recepção da equipe aos convidados, calorosa, contrastava com a fumaça interna ao ambiente. Eu pensei: “Será que vai ser assim?”, uma amiga disse: “eu enxergo assim quando estou sem óculos”, rimos. Desde o primeiro momento a sensação era de que havia algo a ser falado naquele espetáculo. As músicas de ambientação contavam sobre sentimentos; toca a sirene uma, duas. Agora vai começar.

Quando pensamos em cabo de guerra, pensamos em duas forças contrapostas em sentidos divergentes, uma puxa para lá e outra para cá. O maior ponto de tensão na corda está no meio – me perdoem os físicos se eu estiver errado –, mas ao meu ver, Lucas era o meio. Fatos da vida, ou “fatos físicos e mentais” como diz o folder de divulgação, aproximam mais a personagem da plateia. É como se os olhos de Lucas estivessem dentro de nós.

Cabo de Guerra é estrelada por Daniel Scarcello (Foto: Felipe Barbosa)

As dores, representadas pelos movimentos do corpo; as notas musicais sempre em suspense, agudas, que não se fecham, as veias saltadas na testa, as quedas, o andar tropo, o enrolar na corda. “O que se quer dizer?”, “existe risco em dizer?” e a pergunta em voz suave: e você, do que você tem medo?

Quando a dinâmica é apresentada pela primeira vez, a mente automaticamente pensa na resposta mais fútil e vazia possível “tenho medo de sapo”, mas logo em seguida percebo que não é um medo bom o bastante pra se apresentar em um espetáculo de tamanha profundidade. E é aí que, como o Lucas, começo a me questionar sobre a reflexão “você nem parece você”, ou, relembrando de antigas leituras, a reflexão de Clarice: “Se eu fosse eu?”.

Ainda assim a pergunta me assustava, na medida em que outras pessoas respondiam “medo de decepcionar”, “medo de não corresponder às expectativas”, o jogo estava ficando mais perigoso e eu pensei “tenho medo de tudo”, de modo assertivo. Ou, “quase tudo”, pelo próprio medo do alcance do que significa “tudo”.

É curioso notar que o espetáculo que inicia em um palco vazio, com uma corda e um homem, vai se tornando um ambiente, um espaço que ganha contornos, um espaço de coisas, espaço de muitas coisas, espaço de muitas coisas bagunçadas até o desfecho cósmico: o espaço – por ele mesmo.

Essa progressão que vai do início ao fim, caminha pelo perigoso interstício que existe entre a ideia de ordem e desordem. Seria esse o verdadeiro cabo de guerra? Quando se fala em saúde (corpo e mente, como referenciado pelo próprio texto), sobre qual ordem a mentalidade humana se estabelece? Existe algum grau de liberdade na mente dos “loucos de todo gênero”, como dizia o antigo Código Civil de 1916? E mais, existe liberdade na mente dos “capazes plenos a todos os atos da vida civil”?

Cabo de Guerra entrou em cartaz no dia 1º de abril e terá as últimas apresentações desta temporada nesta sexta, 15, sábado, 16 e domingo, 17 (Foto: Felipe Barbosa)

A ideia de ordem carrega em seu conceito altamente volátil uma grande parte de prisão, assim como a ideia de desordem guarda consigo uma grande parte de liberdade. Talvez por isso, toda a corda desça, vencida pela desordem do espaço físico do cenário, mas com a total liberdade de consciência da personagem, que agora aparece cósmica, etérea.

A conclusão é alegre, não feliz, alegre. Pois a alegria é humana demais, é movimento impulsivo, é rir a partir de uma vibração humana química demais pra controlar. É essa mesma alegria cósmica que me faz o seguinte questionamento: Quando toda a corda é decida, o que está na ponta que a gente segura, é a vida, ou a morte de Lucas? Quando toda a corda é decida, quem somos nós?

Obs.: Esse pequeno texto foi escrito em qualquer um pavoroso domingo, dia altamente intoxicante que deprime os depressivos e angustia os ansiosos, e o que escreve se enquadra nas duas categorias.

Obs.: Apesar do cabo de guerra, sou feliz – e alegre de vez em quando.

*Gabriel Rodrigues é professor universitário, advogado e artista plástico

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Cabo de Guerra entrou em cartaz no dia 1º de abril e as últimas apresentações desta temporada serão nesta sexta, 15, sábado, 16 e domingo, 17, no Teatro de Arena do Sesc, Centro de Rio Branco. O valor dos ingressos é R$ 20 (inteiro) e R$ 10 (meia entrada). Para mais informações, basta entrar em contato por meio dos telefones (68) 99988-3941 ou (68) 99961-7599.

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