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Carnavalização Dostoievskiana

A tese da carnavalização, que Bakhtin destaca na obra de Dostoiévski, traz o sentido da mistura que desde os tempos mais remotos faz rir, até à gargalhada, pois antigamente os contrastes que se opunham prestavam-se a todo tipo de extravagância.
Mas uma vez que se confundem os opostos, é compreensível que a realidade se interponha para separá-los, devolvendo cada um ao seu lugar. Era puro entretenimento, a isso se reduzia a literatura carnavalizada, absorvida pela festividade que se esquecia dos problemas, afinal, que profundidade terá o Carnaval?
Dostoiévski fez do romancista um estudioso, não porque se arrogasse alguma seriedade que antes não havia, mas é que a literatura moderna passou a ater-se ao indivíduo e à sociedade para estudar o homem a partir de suas contradições. Eis o sentido moderno da carnavalização, pois não são mais os opostos que, contrastando, separam-se na confusão, mas a contradição que “nos mistura dentro”. Compreendemos no homem mais digno o canalha, no gênio o louco, como na vontade de vida o anseio de morte.
O sonho, que era uma fantasia, virou um desejo, as contradições transformaram-se em um princípio de leitura, cujo tom é realíssimo. Fala-se, por outro lado, de uma “visão artística do mundo”, mas na carnavalização dostoievskiana não se trata de um ponto de vista reduzido à sua ilusão, como se fosse possível ao observador colocar-se à parte do carnaval que estaria passando ao largo; decididamente, abriu-se a perspectiva de que o homem para estudar as contradições em nós mesmos, neste sentido em que a ciência acompanha a arte alcançamos uma visão mais profunda do mundo. O riso mistura a felicidade e o sofrimento para acentuar as contradições que revolvem a alma, o espírito do carnaval desafia a existência.
“Não nos envergonhemos de nada! ”, são as palavras que anunciam, em Bobók, uma mudança nos hábitos de pensamento e vem questionar o próprio moralismo, tão carregado de preconceito e hipocrisia, tão limitado e estreito em suas avaliações sobre o bem e o mal. As contradições que eram condenadas são as mesmas que agora buscam, na mistura, a liberdade que dá ao pensamento sua presença e seu corpo.
As contradições tornaram-se reveladoras, percebemos a humanidade no íntimo de sua verdade.
A carnavalização revela as contradições que realmente avivam o espírito das gentes pelas ruas da cidade – pois saímos de nossas casas para desenvolver o conceito que acompanha a ideia do carnaval, sabendo que o filósofo tem a sua máscara.

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