Na madrugada de 6 de agosto de 1902, data em que a Bolívia comemorava 77 anos de independência, um grupo de seringueiros, liderado pelo gaúcho José Plácido de Castro, desembarcava silenciosamente em Xapuri, naquela época conhecida como Vila Mariscal Sucre. Naquele momento, sem disparar um tiro, dava-se início à quarta e decisiva etapa da Revolução Acreana – um conflito que mudaria o destino do território hoje conhecido como Acre.
Neste 6 de agosto de 2025, quando se completam 123 anos do início desse marco histórico, A GAZETA visitou a Casa Museu, em Rio Branco, e conversou com o desembargador aposentado Arquilau de Castro Melo, entusiasta da história acreana, que ajuda a manter viva a memória dessa luta.
“Plácido de Castro resolve começar essa revolução, ironicamente, no dia que a Bolívia comemora sua independência. Ele sobe escondido para Xapuri, chega por volta das cinco da manhã, vai até a intendência da Bolívia, onde ficava o batalhão, e bate lá. Ele mesmo conta no diário que chamou o intendente pelo nome. O intendente respondeu: ‘É temprano para la fiesta’. E o Plácido diz: ‘Não é festa, é revolução’”, narra Arquilau.

Sem resistência, os soldados bolivianos foram rendidos ainda sonolentos, muitos em trajes de dormir, após festejos na noite anterior.
A ação marcou o início de uma ofensiva liderada por um exército improvisado de brasileiros indignados com o arrendamento do Acre pelo governo boliviano à empresa estrangeira “Bolivian Syndicate of New York City”. A medida havia instalado um posto alfandegário em Porto Alonso (atual Porto Acre), exigindo impostos dos trabalhadores que ali viviam, o que aumentou a revolta entre os seringueiros e seringalistas.

Antes disso, a Bolívia havia arrendado o Acre a uma empresa estadunidense, o “Bolivia Syndicate of New York City”, gerando indignação entre os trabalhadores que habitavam e produziam na região. A instalação de um posto alfandegário boliviano na chamada Porto Alonso (atual Porto Acre), com cobrança de impostos, aumentou a revolta dos brasileiros que se recusavam a pagar taxas a um governo que, segundo eles, nem ocupava fisicamente as terras, conta Aquilau.
Quem era Plácido de Castro
Ex-sargento do Exército Brasileiro, Plácido foi expulso da corporação após se envolver em um conflito interno. Mudou-se para Santos, em São Paulo, onde estudou topografia e recebeu a sugestão de um amigo para tentar a sorte no Acre, então ainda uma terra de limites indefinidos.
“Ele veio para cá e começou a trabalhar marcando os seringais dessas pessoas, dizendo: ‘aqui tem mil hectares, 500 hectares’. Essas terras não tinham medidas métricas, eram chamadas de ‘estradas de seringa’”, explica Arquilau.
A familiaridade com a geografia da floresta, somada à insatisfação dos moradores com a dominação boliviana, levou Plácido a organizar uma resistência armada. Começou com 120 homens – seringueiros sem experiência militar, mas dispostos a defender a terra onde viviam e trabalhavam. Eles foram treinados, uniformizados e formaram uma força que, mesmo mal equipada, enfrentou e derrotou o exército boliviano.

Do conflito à diplomacia
Apesar dos confrontos armados, foi por meio da diplomacia que o Acre passou, oficialmente, a fazer parte do Brasil. Em 17 de novembro de 1903, o Tratado de Petrópolis foi assinado, pondo fim à disputa. O acordo previa o pagamento de duas milhões de libras esterlinas à Bolívia, além da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Em troca, o Brasil incorporava o território acreano, que se tornaria estado apenas em 1962.
Arquilau reforça que o movimento não foi uma tentativa de tornar o Acre parte do Brasil, mas de defender o próprio território.
“Eu não sou daqueles que dizem que o Acre lutou para ser Brasil. Não. O Acre lutou para ser Acre”. (Arquilau de Castro Melo)

Casa Museu preserva a história viva do Acre
A história da Revolução Acreana e da formação do estado do Acre pode ser vivenciada de perto na Casa Museu, localizada na Chácara Ipê, em Rio Branco. Criado pelo desembargador aposentado Arquilau Melo, o espaço é um verdadeiro túnel do tempo, montado na própria residência, com peças raras, documentos históricos e demonstrações que ajudam a manter viva a memória acreana.
Com mais de uma hora de visita guiada pelo próprio Arquilau, os visitantes têm acesso a objetos utilizados por seringueiros, documentos políticos e até um caminhão original da Segunda Guerra Mundial, fabricado na Suíça e usado pelo exército alemão para transportar judeus aos campos de concentração, uma das peças mais impressionantes do acervo.
O museu também reproduz parte do cotidiano dos seringueiros, com a instalação de um defumador semelhante aos usados para manuseio do látex, e oferece rodas de conversa com o próprio anfitrião.

Por integrar o circuito turístico da capital acreana, a Casa Museu recebe visitantes de todo o Brasil interessados em conhecer mais sobre o processo de formação do Acre. Por estar situada em um ambiente residencial, as visitas devem ser agendadas previamente por meio do perfil @casamuseuacre no Instagram.
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