Há algum tempo, já é sabido pelos cientistas que nossos corpos são colonizados por uma massa abundante e em constante mutação de micróbios que ajudam em inúmeros processos biológicos. Mas, agora, um novo estudo identificou como esses microrganismos atuam especificamente na formação do cérebro de fetos ainda no ambiente intrauterino.
Divulgado nesta segunda (1) pelo site Science Alert, o projeto foi desenvolvido pela Universidade Estadual de Michigan (MSU), nos Estados Unidos, e suas observações renderam um artigo publicado em abril deste ano na revista Hormones and Behavior. Segundo os especialistas, o trabalho é significativo uma vez que as práticas obstétricas modernas, como o uso de antibióticos no periparto e a cesariana, desregulam a microbiota materna.
“Ao nascer, o corpo de um recém-nascido é colonizado por micróbios enquanto viaja pelo canal vaginal. O nascimento também coincide com eventos importantes do desenvolvimento que moldam o cérebro”, explica Alexandra Castillo Ruiz, autora principal do estudo e professora da MSU. “Queríamos explorar mais a fundo como a chegada desses micróbios pode afetar o desenvolvimento cerebral.”
Avaliação cerebral de camundongos
O estudo utilizou um modelo de testagem com camundongos para destacar como a exposição natural a micróbios não só impacta a estrutura cerebral imediatamente após o nascimento, como também pode começar a influenciar o desenvolvimento ainda no útero. Os ratos compartilham semelhanças biológicas e comportamentais significativas com os humanos.
Dessa forma, a equipe se concentrou na análise de uma região do cérebro chamada núcleo paraventricular do hipotálamo (PVN), que desempenha um papel central na regulação do estresse, da pressão arterial, do equilíbrio hídrico e até mesmo do comportamento social. Seus trabalhos anteriores haviam demonstrado que camundongos criados sem micróbios, ou camundongos livres de germes, apresentavam mais neurônios morrendo no PVN durante o desenvolvimento inicial.
Este novo estudo se propôs a determinar se esse aumento na morte celular se traduzia em alterações no número de neurônios a longo prazo. Além disso, ele pretendia verificar se algum efeito poderia ser causado pela chegada de micróbios ao nascimento ou se eles começaram no útero por meio de sinais de micróbios maternos.
Para descobrir detalhes acerca da atuação dos microrganismos no cérebro, os pesquisadores utilizaram uma abordagem de adoção cruzada. Assim, camundongos recém-nascidos livres de germes foram colocados com mães portadoras de micróbios e comparados a grupos de controle, nascidos com tais micróbios.
Quando os cérebros desses camundongos foram examinados apenas três dias após o nascimento, os resultados foram impressionantes: todos os camundongos gestados por mães livres de germes tinham menos neurônios no PVN, independentemente de terem recebido ou não micróbios após o nascimento. Eles também descobriram que camundongos adultos livres de germes tinham menos neurônios no PVN.
“Nosso estudo mostra que os micróbios desempenham um papel importante na formação de uma região do cérebro fundamental para as funções corporais e o comportamento social. Ele também indica que os efeitos microbianos começam no útero por meio da sinalização dos micróbios maternos”, avalia Ruiz. “Em vez de rejeitar nossos micróbios, devemos reconhecê-los como parceiros no desenvolvimento inicial da vida.”
Implicações do estudo
Como lembra o portal Science Alert, embora a conclusão sobre o protagonismo dos microrganismos só tenha sido demonstrado em modelos de camundongos até agora, há semelhanças biológicas suficientes entre ratos e humanos. Ou seja, existe uma grande chance de também sermos moldados pelos micróbios de nossas mães antes de nascermos.
Um dos motivos pelos quais isso é importante é porque práticas como cesáreas e o uso de antibióticos perto do parto são conhecidas por interromper certos tipos de atividade microbiana. Isso pode, por sua vez, afetar a saúde dos recém-nascidos.
Vale lembrar que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que somente 15% dos partos sejam não naturais, apesar disso, em diversas regiões do planeta os números estão muito acima do indicado, como no próprio Brasil. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) sugerem que cerca de 3 milhões de partos acontecem anualmente no país, sendo que, desse total, um 1,68 milhão são cesáreas; 870 mil delas feitas sem uma verdadeira indicação cirúrgica.
Por: Revista Galileu