O novo procurador-geral de Justiça do Acre, Sammy Barbosa, diz que os promotores sozinhos não são capazes de detectar em contratos de licitação ou nos projetos de uma grande obra estruturante, indícios que comprovem que ali há desvio de dinheiro público. Para ele, é preciso que o Ministério Público seja dotado de equipe técnica que analise com perícia os números e as próprias obras. Nomeado pelo governador Binho Marques, Barbosa é o mais jovem procurador a ocupar o cargo mais importante dentro do Ministério Público Estadual.
Sammy Barbosa é de uma família genuinamente acreana, com os avós que saí-ram da Paraíba para cortar seringa na Amazônia. Com a decadência dos seringais, se juntaram às centenas de seringueiros que criavam os primeiros bairros periféricos de Rio Branco. Criado nas regiões mais pobres, Barbosa começou a trabalhar aos 12 anos descarregando mercadorias na mercearia do tio.
Estudou todo o ensino básico em escola pública, assim como a faculdade de Direito. O destino dele poderia ser diferente. Não fosse seu encanto pelo Tribunal do Júri quando o visitou pela primeira vez, Sammy hoje estaria dentro de alguma base da Força Aérea Brasileira. Seu desejo, como um dominador dos cálculos, era se tornar engenheiro aeronáutico. Entre a aprovação no Vestibular e na Escola Preparatória de Cadetes do Ar, Sammy optou pela primeira por falta de condições financeiras de estudar na FAB em outro Estado.
Na última quinta-feira 3, Barbosa, que assume a Procuradoria-Geral em 8 de janeiro, recebeu A GAZETA para falar sobre seus projetos frente ao MPE e analisar o quadro social e jurídico do Acre.
A GAZETA: Nos últimos anos o Ministério Público Estadual tem tido uma ação tímida quanto à função de fiscalização aos atos do Governo do Estado. Como o senhor pretende agir no sentido de fortalecer um trabalho mais fiscalizador por parte do MP para exigir uma administração pública que cumpra verdadeiramente o que manda a lei?
Barbosa: As instituições públicas obedecem a um processo natural de evolução, e nenhuma delas, em qualquer lugar do país, chegou ao ponto de maturidade exigido pela sociedade. Isso se dá em vários âmbitos, não somente na da defesa do patrimônio público, que ainda precisa avançar muito. É um avanço que necessita ser feito não somente pelo Ministério Público do Acre, mas como de todo o Brasil. Somente agora que o povo brasileiro tomou a consciência de que o bem público pertence a ele. Assim como também é recente a criação de instrumentos legislativos que garantem a fiscalização e a defesa deste bem. No Acre nós temos um passado de violações escancaradas ao patrimônio. Tivemos um banco e várias empresas estatais que faliram por má gestão, os recursos do FPE eram desviados para contas fantasmas. Em todos esses casos há uma ação efetiva do MP. É preciso ações preventivas para garantir que o dinheiro arrecadado de impostos seja investido em escolas, hospitais, moradias, enfim. Isso não é uma tarefa simples para um promotor, detectar desvio de dinheiro no calhamaço da construção de uma ponte ou estrada. É preciso que ele tenha uma estrutura auxiliar que o ajude nesse trabalho minucioso. É impossível para um promotor enxergar que faltam dois milímetros da camada de asfalto de uma estrada no meio da Floresta Amazônica. A excelência na defesa do patrimônio público que toda a sociedade reclama do MP depende de um avanço técnico da instituição, e isso precisa ser uma prioridade.
A GAZETA: A partir da lista tríplice votada por promotores e procuradores, o governador Binho Marques o escolheu para ser o novo procurador de Justiça do Estado. O senhor acha que a nomeação por parte do Poder Executivo não pode sofrer uma ingerência política, prejudicando uma ação mais independente do MP?
Barbosa: Até 1988, com a promulgação da Carta Cidadã, a escolha do procurador-geral de Justiça era de livre nomeação do governador do Estado, sendo que ele não era obrigado a escolher pessoas da carreira. A eleição de uma lista tríplice já foi uma grande evolução, mas muito ainda precisa ser evoluído. O Ministério Público brasileiro tem como luta institucional a eleição direta, que não passe mais pela escolha do Poder Executivo. Acredito que todos os membros do Ministério Público, tanto o Estadual como o Federal, são a favor dessa mudança.
A GAZETA: o senhor também a apóia?
Barbosa: Totalmente. Quando fui presidente da associação dos membros do Ministério Público essa foi uma reivindicação permanente, e continua sendo. Em todas as eleições para a escolha do novo procurador-geral enviávamos um ofício sugerindo ao governador que escolhesse o mais votado da lista tríplice. Inclusive agora nesse último pleito, tendo ficado em segundo lugar, avisei oficialmente aos meus colegas que estava apoiando o primeiro colocado, sabendo que, juridicamente, o governador podia escolher qualquer um dos três, inclusive o terceiro mais votado. Trata-se de uma prerrogativa do chefe do Poder Executivo garantida pela Constituição.
A GAZETA: Uma de suas metas será a atualização da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público. O que o senhor pretende alterar?
Barbosa: A Lei Orgânica Estadual do Ministério Público foi concebida no início da década de 1990. Existem várias evoluções legislativas que precisam ser inseridas nela. Ela é bem anterior à criação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), responsável pelo controle externo e que foi criado com a Reforma do Judiciário. Eu pretendo coletar tudo aquilo que já foi objeto de análise pelo CNMP e introduzir na nossa lei orgânica, atualizando-a ao que tem decidido o conselho. Poderemos modernizá-la, que esteja de acordo com o consenso nacional em termos de MP.
A GAZETA: Como o senhor avalia a estrutura e o funcionamento do MP hoje, e o que pretende fazer para mudar ou melhorar o que já existe?
Barbosa: A estrutura do Ministério Público, como qualquer outra instituição pública no Acre estadual ou federal, não é a ideal. Mas em comparação quando eu ingressei no MP, em 1997, ela está infinitamente melhor. Hoje nós temos condições razoáveis de trabalho. É preciso evoluir muito, principalmente na área de tecnologia da informação. A sociedade está mais exigente quanto à eficiência e agilidade do serviço público. As atuais gerações cobram mais qualidade dos serviços públicos, e o desafio do gestor é assim oferecê-los. As instituições têm que enfrentar o desafio de prestar o serviço não como ela quer, mas como a sociedade exige. A principal ferramenta para isso é a tecnologia da informação. As instituições precisam responder aos anseios da população no mesmo ritmo que eles acontecem. No momento que tivermos concretizado este processo irreversível que é o virtual, permitiremos que o promotor de Justiça deixe de ser esse técnico burocrata que ele foi ao longo dos anos, para que se torne um agente político de transformação so-cial. Quando falo de política não trata-se da partidária, mas de sua concepção máxima como a esfera apta a resolver os problemas e os conflitos da sociedade.
A GAZETA: A grande maioria da população ainda desconhece o verdadeiro papel do Ministério Público. Como realizar trabalhos voltados para aprimorar a relação da instituição com a sociedade?
Barbosa: Ao longo dos últimos dez anos caminhamos a passos largos para que a população acreana soubesse para que serve o Ministério Público. Todos os dilemas mais graves da sociedade acreana e que ganhou espaço de destaque na imprensa o MP esteve presente. O desafio é levar o MP cada vez mais perto da sociedade. Isso pode ocorrer de duas maneiras: a primeira é a educação. Quanto mais educado é um povo, mais ele conhece as estruturas do serviço público e os seus direitos. Por outro lado, cabe a toda instituição escancarar as suas portas para as demandas da sociedade, diminuir os obstáculos para que o cidadão venha procurá-las. A nossa informatização vai permitir que cada pessoa acesse de sua casa todo o trâmite de seu processo dentro do MP. A intenção é fazer com que aqueles que não têm acesso à internet também façam a consulta a partir de pontos em locais de maior aglomeração, como o Terminal Urbano, por exemplo. Uma outra proposta é criar as promotorias flutuantes, deixarmos o MP com a cara do Acre. Essas promotorias percorrerão os rios do Acre, chegando às comunidades mais distantes.
A GAZETA: O senhor é um severo critico à fragilidade das leis brasileiras. Qual o papel do Ministério Público para que menos pessoas aproveitem as brechas da legislação para a impunidade, e para que os criminosos, principalmente os de colarinho branco, sejam punidos?
Barbosa: Esse é outro grande desafio. O Ministério Público sozinho não vai resolver este problema, não podemos ter essa ilusão, a infantilidade de acharmos que vamos acabar com uma tradição histórica e cultural da impunidade. O MP pode contribuir para acabar com isso cumprindo a sua missão, que é fiscalizar, atuar como titular da ação penal, buscando a responsabilização de quem viola a lei em prejuízo da sociedade. Muitas vezes o sistema jurídico brasileiro nos dá a impressão que as leis são feitas para não serem cumpridas, para garantir a impunidade. Quando nós vemos os grandes escândalos políticos que acontecem passamos a entender porque as coisas funcionam assim. Talvez os instrumentos jurídicos frágeis, com os órgãos de fiscalização sem a estrutura adequada, sejam para atender essa realidade de grandes figuras públicas enfiando dinheiro público na meia ou na cueca; parece que no Brasil o crime compensa.
A GAZETA: Em 1997, quando o senhor ingressou no MP, o Acre vivia um dos piores momentos de sua história: nas páginas poli-ciais eram estampadas as vítimas do Esquadrão da Morte, e nas políticas escândalos e mais escândalos. Treze anos depois, como o senhor avalia a situação do Estado?
Barbosa: Da mesma forma que eu avalio o Brasil e o Ministério Público: num processo contínuo de evolução. Sem dúvidas o Acre de hoje é muito melhor do que aquele de 97. Houve momentos de muito enfrentamento contra estruturas arcaicas, corroídas e corrompidas que impediam o funcionamento do próprio Estado. Mas temos que aceitar as críticas, pois o funcionamento ainda está longe de ser o ideal. Indiscutivelmente o MP precisa melhorar muito, não é pouco. Mas uma coisa é inegável: as instituições funcionam. Vários estados vivem hoje o que o Acre passou no passado. Os conflitos agrários no sul do Pará nos remetem ao Acre das décadas de 70 e 80. Acredito que temos um futuro promissor.
A GAZETA: O senhor ingressou no MPE aos 24 anos. Hoje aos 37 assume o cargo mais importante dentro do órgão. Como o senhor encara a tarefa de chefiar o Ministério Público do Acre?
Barbosa: Eu encaro como um desafio. Eu encaro como uma posição não de chefiar, mas de liderar um movimento de transformação. Acredito que a minha função deve ser a mais breve possível. Estou me planejando para ficar dois anos como procurador-geral de Justiça. Não quero me envelhecer dentro desse cargo. Eu preciso estar aqui enquanto eu estiver dotado dessa juventude, dessa vontade e disposição que me move. Eu preciso ter a consciência que isso é passageiro, que é apenas um momento. Tenho que ter a noção que vou ficar ainda por pelo menos 20 anos no MP, tempo suficiente para arcar com os atos que eu praticar pelos próximos dois anos. A minha missão será de liderar mais um momento de evolução do MP, de trazer variáveis novas, como a tecnologia da informação, o planejamento estratégico e focar na gestão de pessoas.