A promessa de que o atendimento na Zona de Atendimento Prioritário da BR-364 não iria parar nem no verão está sendo cumprida. A dificuldade de acesso exige uma logística quase militar para manter a equipe do Instituto de Terras do Acre no local, mesmo assim a continuidade do trabalho tem até salvado vidas.
A Zona que foi definida às margens da BR, sendo 5 Km para cada lado da estrada entre Manuel Urbano e Feijó, é alvo de investimento pesado do Governo do Estado do Acre para mitigar os impactos da construção da estrada. Até 2010 a previsão de investimento na área é de R$ 55 milhões em assistência social, como educação e saúde, e desenvolvimento sustentável.
São 12 secretarias ou instituições mobilizadas para melhorar a qualidade de vida das pessoas que moram na região há mais de quarenta anos. A presença do governo está ajudando a salvar vidas e a realizar sonhos antigos na ZAP BR.
No início da semana passada, os técnicos do Iteracre responsáveis pela ZAP salvaram uma menina de 16 anos, que ficou conhecida apenas como Maria. Ela foi alvejada por uma arma de fogo no peito e perdia muito sangue. O autor do disparo foi retido na Unidade de Gestão Integrada e a menina foi levada imediatamente para a sede de Feijó, onde informaram que se demorasse mais tempo, talvez, ela não tivesse resistido. Três dias depois chegava pelo rádio a notícia de que a menina havia passado por uma cirurgia em Rio Branco e estava bem.
Além de vidas, a equipe que trabalha na ZAP e na região do município de Feijó lida diretamente com as esperanças e os sonhos das famílias. Esperança de se manter onde moram há vários anos com qualidade de vida e o sonho de produzir mais e melhor.
O esforço do governo em garantir presença acaba se personificando nos rostos dos técnicos de algumas secretarias por estarem diariamente em contato com as famílias, como é o caso da Secretaria de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar – Seaprof e do Instituto de Terras do Acre.
São rostos como do Valter de Souza, chefe do escritório local da Seaprof em Feijó, conhecido por todos como Tafarel. Ele, e o técnico José Carlos Bezerra foram os organizadores do intercâmbio entre produtores rurais. O apoio das equipes do Imac e do Iteracre é indispensável para que o trabalho realizado com tanta dificuldade na região alcance os resultados sonhados.
E um dos sonhos mais recorrentes é a abertura de açudes. Até a semana passada, 11 açudes foram entregues na ZAP. O governo paga o trator através do Pró-florestania e os produtores entram com o óleo combustível como contrapartida.
Foi assim mesmo que fez o senhor João Alberto dos Santos de 35 anos. Ele sustenta a família de quatro filhos através da agricultura familiar e conta que a estrada “é o sonho de poder escoar a produção”. E que todos os produtores já estavam ficando carecas de pedir abertura de açudes. “Agora tudo está acontecendo”.
Seu João diz que acredita que a capacidade de cada pessoa independe do lugar de onde ela vem. Ali mesmo na ZAP podem surgir pessoas de grande potencial. “Eu acredito que não precisamos sair daqui. Todos temos potencial para crescer. Basta que tenhamos oportunidade, educação, apoio para produção e escoamento”.
A implantação de uma educação de qualidade na área é muito importante para seu João. Dois dos seus quatro filhos estão morando em Feijó para darem seguimento aos estudos. Para ele isso não deveria acontecer. “A família tem que ficar junta. Somos muito apegados às crianças”, completa.
As mudanças no trecho entre Manuel Urbano e Feijó vêm acontecendo na proporção do esforço e da quantidade de pessoas envolvidas no projeto da ZAP BR. São 12 secretarias e instituições trabalhando para garantir qualidade de vida e desenvolvimento sustentável para 400 famílias que moram na ZAP. De inverno à verão.
Produtores trocam conhecimento
Além dos investimentos, o Governo do Estado também promove encontros para troca de experiências com os moradores da região. Um dos mais recentes foi realizado na pro-priedade do senhor Raimundo Peixoto de Lima, que fica no Projeto de Assentamento Berlim Recreio, no município Feijó. A última propriedade do ramal que conta com a beleza deslumbrante do Igarapé Boi, que atravessa o lote da família, garantindo ainda água em quantidade, boa pescaria e mais uma via de acesso.
Para seu Raimundo e mais 7 companheiros, produtores da redondeza, o ano de virada foi 2007. Foi quando foram apresentados à uma semente negra, parecida com um feijão supercrescido, a Mucuna Preta. No início, contou, ele e os companheiros tiveram receio em semear a leguminosa pois não sabiam bem como era o manejo e como a planta iria se comportar. Tinham ouvido que se espalhava como uma praga.
O resultado da utilização da Mucuna foi uma grata surpresa para seu Raimundo, e uma boa nova para mais 20 produtores rurais da região que conheceram a propriedade modelo do Raimundo, professor por um dia. Foi ele mesmo quem mostrou e explicou o manejo e as vantagens da planta que aduba o solo, reduz a dureza do trabalho, aumenta a produtividade e dispensa o uso do fogo. A reação da turma de visitantes foi de muito interesse e enquanto as perguntas iam sendo respondidas os sorrisos tomavam lugar das expressões de ceticismo.
“Eles têm que aproveitar essa vantagem, que dá certo”, aconselha Raimundo. “Mesmo em comparação com o fogo ainda é vantagem. Ela mata até o capim. Isso para mim é uma grande bênção”, completa.
Naquele lote, há 3 anos, não se usa o fogo. Ele está recuperando uma área de capoeira e uma pedaço de campo degradado com a leguminosa. Além disso, plantou a Mucuna dentro do seu bananal, acabando com o capim e as invasoras que tinha que capinar pelo menos 3 vezes por mês. O trabalho era árduo. Consumia três dias com ajuda dos filhos. Agora, apenas o seu Raimundo faz o trabalho de limpeza do bananal em uma manhã. É só arrancar os galhos da trepadeira que sobem no pé de banana. O chão se transforma num denso tapete de Mucuna.
Quando perguntado sobre os números da produção seu Raimundo gaba. “A produção melhorou muito. O milho e o arroz se deu melhor onde foi plantada a Mucuna. Até o caroço das espigas eram maiores”.
Dona Maria das Graças Firme de Lima, esposa e companheira de trabalho de seu Raimundo, confirma as explicações do marido. “Agora é muito melhor mesmo”. E complementa a lista de vantagens. “A palha e os ramos da Mucuna se transformam em um adubo muito bom para as plantas”. Ela as utiliza na horta e em volta das fruteiras.
A sabedoria de Chico Brabo
Assim é conhecido na região o produtor rural Francisco Pereira dos Santos que chama a si próprio de produtor pirata por tentar inovar algumas práticas nas suas terras. “Já tem vários anos que eu venho tentando acalmar a força do fogo”, começou assim o seu relato ganhando de pronto a atenção de todos os companheiros de cabo de enxaida.
“Aqui na nossa região todo mundo acredita é no fogo e na derrubada da mata bruta. E eu disse pros meus filhos: nós vamos dar cabo desse fogo”.
Seu Francisco contou como trabalha na sua propriedade de colocar uma única brasa no mato. Há vários anos ele trabalha com rodízio de culturas, usando o feijão como cultura de descanso do solo.
Chico Brabo já colocou a Mucuna para trabalhar no seu solo fazendo a recuperação. Agora não consegue esconder o orgulho da produção de milho, arroz, feijão e da farinha.
Ele contou ainda que começou a pensar diferente sobre a forma de tratar o solo quando trabalhou como guia para um pesquisador da Embrapa. Durante as caminhadas no meio da mata, atravessando roçados e ramais o pesquisador ia mostrando os solos degradados pelo fogo e dando conta do tamanho do prejuízo, principalmente em longo prazo.
Homem de pequeno porte, mas fala grossa, Chico Brabo foi a gota que faltava – se ainda faltava alguma – para que os produtores se convencessem dos benefícios das práticas sustentáveis de produção. Um ponto final no dia de visitas, mas um seguro ponto de virada para vários produtores rurais do município de Feijó. (Agência Acre)