Com uma vasta riqueza de materiais fósseis encontrados em seu solo, o Acre é considerado há anos uma verdadeira referência brasileira de Paleontologia. Lotadas de fósseis, as terras acreanas fazem inveja para qualquer lugar do mundo. Apesar disso, o Estado ainda não possui nenhum tipo de museu paleontológico ou mesmo algum espaço público de grande estrutura para divulgar amplamente o conhecimento deste estudo e exibir as réplicas das raridades encontradas por aqui. E essa necessidade não é por falta de conhecimento científico na área, e sim de investimentos.
De acordo com o prof. Edson Guilherme da Silva, responsável pelo Laboratório de Pesquisas Paleontológicas – LPP – da Ufac (entidade pública que trabalha com o vasto acervo paleontológico do Estado), o Acre é tão rico em objetos fósseis que possui até ossos de animais exclusivos, ou seja, partes de esqueletos originais de bichos que só podem ser vistos com tamanha precisão aqui. Isso torna o Estado um símbolo real deste estudo na América Latina. Assim, já está mais do que na hora de sua Capital ter pelo menos um grande museu para mostrar a todos a importância desta ciência.
“Uma estrutura como esta seria muito importante para o nosso Estado não só para difundir esse conhecimento à população, mas também para atrair turistas de todo o mundo. Um grande museu aqui, com tudo o que temos de riqueza fóssil e a fama que já conquistamos na área, sem dúvidas seria um ponto turístico valioso para Rio Branco. E compensativo também, porque só seria necessário o investimento inicial e o de manutenção para fazer um projeto como este, em face ao grande incentivo cultural que ele traria. Atualmente, isso não é possível porque falta tal iniciativa”, disse Edson.
O paleontólogo, especiali-zado no estudo de aves, até contou que o prefeito Raimundo Angelim, assim que assumiu a administração de Rio Branco, em 2005, tinha planos para fazer um grande museu na cidade. Contudo, acabou tendo que desistir da idéia para destinar as verbas que seriam do museu a outro setor de engenharia urbana, tido como de maior prioridade na Capital. Outra instituição que também já planejou fazer um museu adequado foi à própria Ufac, mas a reitoria da universidade também acabou encontrando investimentos mais prioritá-rios para destinar recursos.
“E isso é uma pena, diante de toda riqueza fóssil já encontrada por aqui e até do nosso potencial de achar mais materiais. Recentemente, eu viajei pela Argentina, indo de Buenos Aires até a Patagônia (região ao sul do continente que engloba parte da ARG e CHI), e vi o quanto os museus de lá são lindos e bem organizados. Na própria estação, quando você chega a Buenos Aires, há uma réplica da Preguiça Gigante chamando a atenção dos turistas para os museus de lá. Com os investimentos certos, com certeza poderíamos ter ornamentos assim também, ou até melhores”, contou o professor.
A propósito, a riqueza do Estado é tão grande que até um congresso nacional já foi trazido para Rio Branco em agosto de 2001, quando nenhum campo científico daqui sequer se arriscava a sediar um evento de tamanha proporção. Foi o VII Congresso Brasileiro de Paleontologia (CBP), que, segundo Edson Guilherme, foi um sucesso quando foi realizado, chamando a atenção de estudiosos de vários cantos do mundo.
“As pessoas diziam: ‘nossa, fazer o congresso lá no Acre, onde acharam aqueles fósseis de jacarés gigantes, que legal! Já quero ir’. Ou seja, não foi a nossa estrutura que chamou a atenção e sim o nosso trabalho. E o evento foi um sucesso enorme, com o debate de vários temas importantes na Paleontologia mundial. Tudo mundo ficou impressionado. Teve até um forró no meio dele”, lembrou-se o coor-denador do LPP.
As réplicas dos fósseis são feitas com gesso e espuma na parte interna do LPP da Ufac
Os 25 anos de atuação do Laboratório de Pesquisas Paleontológicas da Ufac
O Laboratório de Pesquisas Paleontológicas (LPP) é uma organização que compõe o Departamento de Ciências Naturais da Ufac e atua desde maio de 1983 com o objetivo expresso de explorar todo o material fóssil presente na formação geológica da Amazônia Ocidental. Com mais de 5 mil fósseis já coletados, a entidade é dividida em 2 espaços: um armazém para os materiais recolhidos e uma sala de exposição aberta ao público com as réplicas e até os ossos originais dos animais que já foram catalogados pelo estabelecimento científico (é o mais próximo que temos de um museu).
O LPP funciona em dois períodos distintos, com uma equipe de 3 professores paleontólogos, 2 biólogas, 1 designer e 2 colaboradores de pesquisas. Durante o ‘verão amazônico’, o grupo vai a campo nos 7 sítios paleontológicos demarcados no Acre fazer exames e coletar fósseis. Já no ‘inverno’, as chuvas atrapalham esta ação, por isso, as atividades são voltadas ao ambiente interno da Ufac, com mais tempo para restauração, identificação e catalogação dos fósseis coletados na estiagem, além da promoção de palestras sobre Paleontologia para os estudantes do Ensino Superior e Médio do Estado, e a recepção de pesquisadores e visitantes da comunidade em geral.
Os dois grandes estudos desenvolvidos pelo laboratório foram os de animais pré-históricos encontrados no período Mio-Pliocênico (de 8 a 2 milhões de anos atrás) e do Pleistocênico (de 2 milhões a 10 mil anos) do Rio Solimões. Aliás, foram fósseis destes bichos que levaram réplicas a museus do mundo inteiro e incentivaram vários cientistas a elaborar trabalhos escritos, artigos científicos, monografias, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Em outras palavras, o LPP da Ufac é hoje uma instituição-modelo na Amazônia de paleontologia e a maior responsável por estas 2 épocas no Brasil.
Segundo o coordenador Edson Guilherme, outro grande resultado do laboratório foi contribuir com a difusão da área científica não só no Acre, como em toda Amazônia, buscando ser um espaço para interligar interessados em se aprofundar na paleontologia local. “E isso é muito importante, porque foram estes trabalhos que estimularam muitos acreanos a conhecer mais sobre como era a vida aqui há milhões de anos”, acrescentou.
Para ajudar na divulgação do projeto, o LPP possui o seu link próprio no site da Universidade Federal do Acre, contendo detalhadamente todas as suas conquistas de 25 anos. Ele situa-se na barra de ferramentas da homepage da Ufac, na seção laboratórios. O endereço virtual é: http://www.ufac.br/ensino/laboratorios/Paleontologia/index.htm
Fósseis encontrados na construção da BR-364
A potencialidade de material fóssil do Acre é tão ampla que aparece até mesmo por acaso, em ações simples que remexam as estruturas geológicas do Estado, como em obras de estradas. A prova disso está na descoberta feita em novembro do ano passado de dois fósseis de jacarés, na margem direita de um trecho da BR-364 que liga Manuel Urbano a Feijó. Um deles foi reconhecido como sendo do Purussaurus brasiliensis, enquanto o outro é do Mourasuchus nativus/amazonensis.
De acordo com Edson Guilherme, habitantes comuns da região reconheceram os ossos diferenciados e avisaram às equipes do Deracre que trabalhavam no local. O órgão acionou o LPP, que é a única divisão credenciada a fazer toda e qualquer coleta de fósseis no Estado devido ao seu manuseamento técnico. A equipe de campo do LPP foi até o local e voltou à Ufac com mais dois ótimos itens para a coleção de raridades.
“O fóssil desse Mourasuchus achado na BR é bem completo. Eu creio até que seja o pedaço da mandíbula mais preciso deste crocodilo já encontrado por aqui. E ele é também um dos animais mais especiais do nosso acervo. Para se ter uma idéia da sua importância, quando ele foi descoberto, em 1964, foi criada até uma nova família entre a comunidade científica, a Nettosuchidae, só para poder enquadrar as características físicas desse animal. Isso nos leva a crer que novas peças como esta podem ser achadas a qualquer hora e lugar, e isso que torna o nosso trabalho mais interessante”, comentou.
O prof. Edson Guilherme posa ao lado de uma das maiores descobertas do laboratório da Ufac, o crânio original do Purussaurus, encontrado em 1986; fóssil de Mourasuchus foi achado há 2 meses, na BR-364
Os animais pré-históricos já encontrados no Estado
Nada melhor para comprovar a riqueza da fauna fossilífera do Estado do que os animais que o LPP já conseguiu encontrar e registrar nos seus 25 anos.
Bichos que vão desde jacarés com 12 metros de comprimento, até hipopótamos, preguiças gigantes, quelônios e até elefantes. São 8 bestas impres-
sionantes, maiores do que qualquer senso de realidade que o homem moderno poderia ser capaz de imaginar. E, além deles, ainda há muitas outras feras super interessantes no LPP, como peixes de corpo bem alongado, botos, roedores imensos, aves e até tatus pré-históricos.
Período Mio-Pliocênico (8 – 5 milhões de anos )
Purussaurus Brasiliensis – Os ossos do jacaré gigantesco são sem dúvidas as maiores descobertas do LPP, tanto que este foi o bicho-propaganda do congresso na-cional que teve há 8 anos no Estado. Considerado um dos maiores predadores carnívoros que já existiu na Terra (maior até do que os dinossauros do Jurassic Park), estima-se que ele chegava a ter 18 metros de comprimento. Conforme Edson Guilherme, o crânio de 1,30 m desse monstro que a sala de exposição da Ufac exibe como destaque foi achado no Alto Rio Acre, perto de Assis Brasil, em 1986. Estes majestosos lagartos habitaram a terra entre 8 a 5 milhões de anos atrás. “O que comprova que toda essa região amazônica devia ser um imenso pantanal para servir de habitat para um animal tão grande”, constatou.
Mourasuchus nativus – Foi outro réptil gigante, chegando até 12 m de comprimento, que viveu no período Mio-Pliocênico, entre 5 a 8 milhões de anos atrás, posterior ao tempo do Purussaurus. O primeiro crânio do Mourasuchus nativus, ou amazonensis, foi encontrado no Acre, precisamente no Rio Juruá, em 1964. Foi um crocodilo próprio da America do Sul, que possuía o apelido de ‘bico-de-pato’ pelo crânio largo, bem longo, com um formato bastante achatado e com uma mandíbula que comportava cerca de 50 dentes e tinha certo volume embaixo que lhe garantiam a aparência real de um pato.
Hesperogavialis sp. – Semelhantes ao tipo anterior, estes crocodilos também viveram no final do período Miocênico, entre 8 a 5 milhões de anos, eram carnívoros e tinham o formato da face demasiadamente alongado, com mandíbulas ainda mais finas e afiadas. Segundo o coordenador Edson Guilherme, o seu principal fóssil achado no Acre é um dos mais (senão o mais) completos do mundo, o que o torna bem particular da região. “Um detalhe bem interessante é que ele é similar ao crocodilo da Família Gavialídae que hoje só existe em rios asiáticos, perto da Índia”, ressaltou.
Stupendemys – Trata-se do maior quelônio de água doce que já habitou o planeta. Sua carapaça media cerca de 1,8 m de comprimento, somados a mais 0,5 m às demais partes do corpo. Eram répteis que passavam o dia tomando sol às margens de rios e mergulhavam para se alimentar de plantas e peixes. Infelizmente para estes ‘bichinhos’, viveram no mesmo período de jacarés gigantes, como o Purussaurus, servindo-lhe de presas fáceis. Os fósseis do Stupendemys descobertos pelo LPP resumem-se à cintura pélvica e outros fragmentos do Pleurodira, no sítio Cachoeira da Bandeira, Rio Acre.
Podocnemis sp. – Outro grande quelônio de água doce, que também viveu no período Miocênico Superior e serviu de alimento para enormes jacarés. O fóssil deste animal coletado pelo LPP em 1982, nos barrancos do Rio Acre, perto de Assis Brasil, fronteira Brasil/Bolivia e Peru, é bem mais completo do que o do quelônio anterior. Desde então, ele está à mostra na sala de exposições do laboratório, na Ufac.
Período Pleistocênico (2 milhões – 10 mil anos atrás)
Toxodonte – São animais parecidos com os hipopótamos (inclusive no tamanho), que habitaram o continente durante quase toda a Era Cenozóica (65 milhões – atualidade, Era que compreendeu o período Miocênico inteiro). Conforme, Edson Guilherme, eram animais que se alimentavam de plantas, pesados, robustos, com pescoços curtos e patas bem volumosas. O LPP expõe no seu espaço público o fóssil de parte da mandíbula quase completa de um Toxodonte. O material foi achado no Alto Rio Acre.
Mastodonte – Por incrível que pareça, o Acre já teve até espécimes de elefantes. Eram os Mastodontes, mais precisamente os Haplomastodon waringi, que viveram durante o Pleistoceno (2 milhões – 10 mil anos atrás) em toda a América do Sul e do Norte. Eram herbívoros e tinham tamanhos similares aos dos elefantes atuais. O fóssil exposto pelo LPP deste animal é um vestígio do dentário direito. Ele foi coletado no Alto Rio Juruá.
Preguiça Gigante – Como bem detalha o nome, foram animais parecidíssimos com as preguiças de hoje, mas se diferenciavam pelo tamanho (atingiam 6 m de altura), hábitos de andar na terra e por uma garra a mais. Também eram herbívoras. Habitaram toda a América do Sul, Central e chegaram até a do Norte. No Acre, o LPP coletou um pedaço do lado esquerdo da mandíbula da preguiça Eremotherium sp., no sítio Arenal, Alto Rio Juruá. O fóssil é exibido com um pedaço da mandíbula do bicho-preguiça atual. “Uma curiosidade sobre essas preguiças é que muita gente as asso-ciam a uma figura folclórica da nossa terra, que é o famoso Mapinguari. Supostamente, uns dizem que o monstro seria uma espécie remanescente de preguiça-gigante”, contou o prof. Edson Guilherme.